Santa María de Montesa

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48. I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 246-249, doc. 347.

49. J. Miret i Sans: Les cases de Templers..., p. 207.

50. J. Delaville le Roulx: Les hospitaliers..., p. 49.

51. Anthony Luttrell: «The Aragonese Crown and the Knights Hospitallers of Rhodes 1291-1350», English Historical Review, LXXVI, 298 (1961), pp. 1-19: 18-19.

52. I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 302-303, doc. 419.

53. Eren reclamacions i actuacions del rei pròpies d’una comprensió vassallàtica del lligam a diferència del que apunta Pierre Bonneaud, qui en nega el contingut vassallàtic. Argumenta que no figura la petició de consell ni auxili, o el terme vassall en el jurament: Els hospitalers catalans a la fi de l’edat mitjana. L’orde de l’Hospital a Catalunya i a la Mediterrània 1396-1472, Lleida, Pagès editors, 2008, p. 100. En les diverses versions dels juraments d’hospitalers, l’acte es refereix com a homagium, terme explícit de l’homenatge. Recordem, però, que ja no és l’època del feudalisme clàssic, i això justifica que no hi hagi la reclamació explícita d’ajuda i consell, per bé que era clarament implícita.

54. A. Luttrell: «The Aragonese Crown...», p. 7, i intervencions dels reis en responsions, pp. 9-10.

55. ACA, ordes religioso-militars, Gran Priorat de Catalunya, inventaris núm. 1103 (de darreries del segle XVII) i núm. 1111, des de p. 32. Val a dir que l’inventari 1111, amb poques coincidències amb els actes registrats del 1103, reuní també alguns juraments del castellà d’Amposta.

56. H. Finke: Acta Aragonensia..., t. III, pp. 332-337: «E tota la major força dels cardenals contradixeren ... especialment al sagrament e al homenatge dels hospitalers». També es van oposar a què els béns del Temple fossin donats a un altre orde que no fos l’Hospital, com va acabar passant amb Montesa, perquè anava en contra del concili general i «daria hom exemple als prínceps del món, que cada hu demanàs açò».

57. I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 246-249, doc. 347.

58. Ibíd., pp. 302-303, doc. 419.

59. Jochen Burgtorf: The Central Convent of Hospitallers and Templars. History, organization and personnel (1099/1120-1310), Leiden, Brill, 2008, pp. 628-629.

60. J. Delaville le Roulx: Les hospitaliers..., pp. 65-67; M. Bonet: La orden del Hospital..., p. 68. Sembla que el mestre volia forçar les vacants per a rebre beneficis. De nou, el rei Alfons el Benigne va demanar al papa l’elecció de fra Arnau Alós com a prior el 1331, després de l’oposició, i fins i tot excomunicació promogudes pel mestre i el papa, I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 357-359, doc. 490; actuacions del papa doc. 487 i p. 360, doc. 492 i NLM, 1136, ff. 398r-399r; 488r-489r i 526r, etc.

61. I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 302-303, doc. 419: «pro deffensione regni vel offensione inimicorum fidei ortodoxe, servicium ipsium honorifice possimus habere». Fins i tot el rei va arribar a amenaçar amb la confiscació del patrimoni, H. Finke: Acta Aragonensia..., II, pp. 818-820.

62. I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 357-9, doc. 490, i Pascual Jaume Chust Belasco i Josep Royo Martínez: «Una conseqüència de la guerra amb el regne musulmà de Granada en el senyoriu de Torrent. L’arrendament de 1330», Torrens, 3 (1984), pp. 45-51.

63. Antoni Udina Abelló: «Els ordes religiosos-militars i les Corts catalanes (1283-1412)», Actes de les primeres..., pp. 132-139.

64. Convocatòria a les corts aragoneses de 1291, I. Vincke: Documenta selecta..., pp. 29-30, doc. 56 i la proclamació dels membres del braç eclesiàstic de les corts de València el 1301, ibíd., p. 52, doc. 94.

65. Carlos Barquero Goñi: «Los hospitalarios y la monarquía castellano-aragonesa. Siglos XII-XIII», Archivos leoneses, 97-98 (1995), pp. 57-119, i M. Bonet: La orden del Hospital ..., p. 63.

66. Anthony Luttrell: «Hospitaller life in Aragon: 1319-1370», The Hospitallers..., XV, pp. 97-115: 100. J. Miret i Sans: Les cases de Templers..., p. 405 i Manuel Sánchez Martínez: «Las órdenes militares en la cruzada granadina de Alfonso el Benigno (1329-1334)», Anuario de Estudios Medievales, 28 (1998), pp. 31-58: 34-47.

67. ACA, RC, 924, f. 194 (1324); AHN, OM, OSJ, c. 586, doc. 141 i 151 (1324); i doc. 147 (1327).

68. A. Arribas Palau: La conquista..., p. 212.

69. Ibíd., pp. 184-185.

70. ACA, RC, 1227, ff. 119r-120r. De la implicació dels hospitalers en les activitats militars del rei Pere el Cerimoniós, en dóna testimoni el fet que es gastés les responsions en la guerra entre Aragó i Castella el 1358, J. Delaville le Roulx: Les hospitaliers..., p. 375. Ben coneguda és la proximitat amb el castellà fra Juan Fernández de Heredia, qui, per exemple, va entrar a València amb el comandament del rei i van reprimir els unionistes, A. Luttrell: «Hospitaller life...», p. 101.

71. Això explica que els hospitalers s’unissin amb altres per a comprar el bovatge el 1333; Manuel Sánchez Martínez: «La fiscalidad real en Cataluña (siglo XIV)», Anuario de Estudios Medievales, 22 (1992), pp. 341-376: 363.

72. Secretorum Johannis XXII, a NLM, 1136, ff. 527r-528v (1332). El papa argumentava de manera semblant en una reclamació perquè el rei de Portugal no es quedés amb les responsions, NLM, 1136, ff. 341, 342 i 343 (1330).

73. NLM, 1136, ff. 529r-v i 530r (1332).

REFLEXOS EM PORTUGAL DE UM «MUNDO»

EM MUDANÇA

A origem da Ordem de Cristo no século XIV

Paula Pinto Costa FLUP - CEPESE

UM «MUNDO» EM MUDANÇA FORA DE PORTUGAL

Acre, ano de 1291. A 28 de maio terá tocado a rebate em Acre, situada em tempos idos no reino latino de Jerusalém e hoje em território israelita. O castelo de S. João de Acre capitulou. Não foi apenas mais um, entre outros que assinalavam a presença ocidental nos territórios latinos, pois foi o palco da última grande derrota. Nesse final de maio, al-Ashraf Salah-ad-Din Khalil, sultão do Egito, com essa vitória sobre os Hospitalários, responsáveis pela fortaleza nos últimos 100 anos, conduziria o reino de Jerusalém, criado em 1099 como resultado da 1.ª cruzada, ao fim de uma etapa histórica. As condições de permanência no território seriam insuportáveis para as poucas pessoas ocidentais que lá se encontravam. A 14 de agosto, os Templários abandonam o chamado Castelo do Peregrino, situado a sul de Haifa, sobre o mar Mediterrâneo. Esta retirada significa a perda do último bastião do Reino de Jerusalém, localizado a uma distância de quase 40 km a sul de Acre. Por força desta sequência de acontecimentos, afastam-se deste território e instalam-se numa minúscula ilha mediterrânica centralizada no castelo de Arwad, situada bem mais a norte, na mesma latitude do Chipre, onde permaneceriam até 1303.1

A associação destes factos com a cruzada constitui um profícuo campo historiográfico. Porém, a escassa clarificação conceptual e a falta de uniformidade no uso do termo cruzada, assumida como a mais famosa e distinta forma de guerra santa cristã, constituem, por vezes, limitações que marcam alguns estudos.2 A derrota de Acre, por alguns considerada o fim das missões cruzadas, não representou, como é sabido, uma interrupção deste tipo de movimentos, embora tenha conduzido ao afastamento definitivo dos cristãos ocidentais desse oriente latino. A cruzada continuou a desenvolver-se no contexto da sociedade e economia tardo-medievais e foi um elemento crucial ao nível das transformações nas relações mediterrânicas nos séculos XIII a XV, em boa medida devido aos interesses que recaíam sobre aquela área, já que uma parte da economia ocidental dependia do controlo dos acessos ao Levante e ao Mar Negro.

A sucessão de várias derrotas militares cristãs e a consequente perda contínua de posições territoriais contribuiu para a deterioração da situação militar e económica, ao longo do século XIII, impondo o reforço da colaboração do Ocidente com verbas e com recursos humanos. O Papa Gregório X convocou um concílio ecuménico, onde foi discutido sobretudo o problema do domínio da Terra Santa e a união das Igrejas latina e ortodoxa. Com efeito, em 1274, no II Concílio de Lyon, foi criada uma taxa a aplicar na Cristandade para subsidiar a cruzada. Gregório X (1271-76) conferiu a esta taxação uma base institucional firme, através da definição da atuação de 26 coletores. Na verdade, este concílio redefiniu o papel da cruzada no plano interno da Cristandade, tendo em conta a defesa do que restava dos estados cruzados da Terra Santa.3

 

Nestas circunstâncias, desenvolveram-se formas de atuação que favoreceram a tomada de consciência em relação a estes assuntos. No II Concílio de Lyon estiveram presentes, entre outros, Guilherme de Beaujeu, Mestre do Templo, e Guilherme de Corceles, cavaleiro do Hospital, este último que há mais de 30 anos servia no Leste, sendo profundo conhecedor da situação que aí se vivia. A sua missão era discutir a forma de ajudar a Terra Santa e de defender as Ordens Militares das críticas episcopais. Perante o avolumar dos problemas, as Ordens Militares queriam continuar a enviar pequenos contingentes (enquadrados na categoria do que se designou por passagium particulare) para reforçar a posição no Levante.4

Apesar de todos os esforços, Acre capitulou e os Estados Latinos da Terra Santa foram desmantelados. As reações fizeram-se sentir de imediato. A partir destes factos, desenvolveram-se várias opiniões sobre a prossecução da cruzada,5 embora, na sua maioria, de cunho utópico. O tema da «recuperatio» da Terra Santa foi abordado em diversos tratados escritos entre os anos 70 do século XIII e inícios do seguinte.6 Ramon Llull no «Tractatus de modo covertendi infideles», redigido pouco depois da tomada de Acre, propõe que Templários, Hospitalários e Teutónicos dividam áreas de influência e de competência no cenário mediterrânico. Porém, este mesmo autor, um pouco mais tarde, na «Epistola summo pontifici Nicolao IV pro recuperatione Terrae Sanctae», propõe que se organize uma única Ordem, a partir dos Templários, Hospitalários, Teutónicos, Santiaguistas e Calatravenhos, que poderia ser designada por «Spiritu Sancto». De acordo com o tratadista, esta nova Ordem seria encabeçada por um filho de um rei, que seria chamado «rex bellator» e seria confirmado pelo rei de Jerusalém.7 Esta solução teria algum eco em Portugal no reinado de D. João I, o primeiro monarca que entregaria a administração das Ordens Militares aos seus próprios filhos. Por outro lado, quando no Concílio de Vienne foi decretada a supressão do Templo, a consequente entrega dos seus bens aos Hospitalários poderia ser interpretada como uma forma de união, como já salientou Alan Forey.8 Em 1309, no tratado sobre a cruzada, intitulado «Liber de acquisitione Terrae Sanctae», Ramon Llull mantem-se firme na defesa da recuperação da cruzada,9 em função da enorme influência que recebe por parte dos interesses aragoneses e franceses.10

O nexo de causalidade entre o desfecho de Acre e a supressão da Ordem do Templo é fácil de estabelecer. Em palavras sucintas, a Ordem, que tinha assumido como objetivo crucial da sua missão a defensa da Cristandade, tinha acabado de dar provas da sua incapacidade militar no Mediterrâneo oriental. Esta razão, a par de outras mais específicas relacionadas com o seu percurso histórico junto da corte capeta, tornava evidente a acumulação de pretextos que ameaçavam o futuro dos Templários. As Ordens Militares (umas mais do que outras) ficaram expostas ao que podemos designar por crise de identidade sem precedentes, em virtude do falhanço de uma das suas missões primordiais. A procura de soluções foi, desde logo, ensaiada e as reações não tardaram. O próprio Mestre Jacques de Molay, em 1305, opôs-se à união dos Templários com os Hospitalários, argumentando que estes últimos tinham sido criados para tratar de doentes. Ao apontar esta especificidade fomentou, como é óbvio, o destino negativo da sua própria instituição.

A partir de 13 de outubro de 1307, altura em que Filipe IV de França mandou deter os Templários,11 criou-se o ambiente que conduziu ao Concílio de Vienne, reunido entre outubro de 1311 e maio de 1312, sobretudo para discutir o destino da Ordem do Templo. Como resultado, a Ordem do Templo foi suprimida em 22 de março de 1312, pela bula «Vox in excelso»,12 do Papa Clemente V, na sequência de um longo processo. Os reflexos deste concílio fizeram-se sentir em toda a Europa13 e também em Portugal, que se fez representar pelo arcebispo de Braga e pelos bispos de Lisboa, do Porto e de Coimbra.14 Contudo, não é deste assunto que se trata aqui. O que importa é ter presente esta conjuntura e perceber como é que ela se manifestou em Portugal.

REFLEXOS EM PORTUGAL: A INSTITUIÇÃO DA ORDEM DE CRISTO

A conjuntura centrada no Mediterrâneo oriental e, em particular, a grande mudança da segunda metade do século XIII refletiram-se em Portugal de forma muito clara e coincidiram com alterações importantes. Dois episódios são suficientes para evidenciar o sincronismo com os acontecimentos vividos a longa distância: a conquista de Faro, o último povoado algarvio, em 1249, e a criação da Ordem de Cristo, em 1319. Esta cronologia estende-se ao longo de dois reinados: o de Afonso III, conhecido como o Bolonhês (1248-1279), e o de D. Dinis (1279-1325). Ambos tinham fortes ligações pessoais e políticas à Europa além-pirenaica, o que lhes garantia o conhecimento atualizado de boa parte do que se estava a passar no plano internacional.

Entre a capitulação de S. João de Acre, a 28 de maio de 1291, e a criação da Ordem de Cristo, a 14 de março de 1319, no rigor do tempo, passaram 27 anos, 9 meses e 17 dias. Se numa leitura objetiva ficamos com a ideia de que bastante tempo passou, numa interpretação mais histórica temos a convicção de que a ligação entre os dois acontecimentos é intensa e se estabelece de forma direta. Acre, apesar de estar tão longe (a cerca de 6.000 km de viagem terrestre), fazia-se sentir muito perto se pensarmos no impacto que tiveram em Portugal os acontecimentos que lá se desenrolaram.

Há também paralelismos cronológicos entre o que aconteceu em França e em Portugal que são muito sugestivos no contexto desta reflexão. O primeiro sinal a que a historiografia tem atribuído significado foi da iniciativa de Filipe IV de França e consistiu na decisão de mandar prender os Templários em 13 de outubro de 1307.15 Do ponto de vista da memória documental, em Portugal, o ano de 1307 coincide, precisamente, com a altura em que as provas arquivísticas relacionadas com esta Ordem sugerem a abertura de um ciclo de grandes alterações relacionadas sobretudo com o património destes freires.16 A situação era complexa e pela bula «Deus ultionum Dominus», de 12 de agosto de 1308, o arcebispo de Braga e o bispo do Porto foram nomeados administradores dos bens do Templo em Portugal.17

No alinhamento dos acontecimentos internacionais insere-se a decisão de suprimir a Ordem do Templo em 1312, a qual resultou de um processo longo e teve consequências enormes ao nível da gestão patrimonial. A solução superiormente encontrada foi protagonizada pelo Papa Clemente V que, pelas letras «Ad providam» de 2 de maio de 1312, determinou que os bens do Templo fossem transferidos para o Hospital, abrindo, porém, algumas exceções para dotar novas instituições, incluindo, entre elas, Portugal.18 O assunto seria bastante polémico e, em 23 de agosto de 1312, pela bula «Dum fili carissime», justifica-se a referida exceção.19 Na bula fundacional da Ordem de Cristo aponta-se a razão, nos seguintes termos: «per que os dictos bens que forom do Temple que eram nos seus rreynos non se podiam juntar nem encorporar aa dicta orden do Hospital sen gram perigoo e gran prejoizo seu e dos seus rreynos».20 De facto, a dimensão e a proximidade no terreno dos domínios Templários e Hospitalários situados em Portugal constituiriam sérias ameaças à prossecução da política régia de controlo destas instituições.

Outra consequência produzida pela bula «Vox in excelso» fez-se sentir na criação de um repositório documental de valor jurídico-probatório relacionado com a Ordem do Templo, com a finalidade de atestar uma parte do seu espólio patrimonial em Portugal. Desta altura conhecem-se tanto inquirições régias ao património dos Templários, como a cópia de documentos pertencentes aos freires e relacionados com os seus bens imóveis. Deste período, conservam-se nos arquivos portugueses, pelo menos, três inquirições de grande dimensão sobre os bens da Ordem do Templo, datadas de 1312,21 131422 e 1317,23 a que se podem acrescentar outras com objetivos mais específicos. A título de exemplo, sublinhe-se que o referido inquérito de 1314 se destinava a coligir informações organizadas em torno de 25 artigos sobre as jurisdições exercidas pelos Templários.24 As respostas obtidas são muito elucidativas dos objetivos que a coroa tinha definido em relação a esta instituição. As testemunhas mais contundentes afirmam que tudo pertencia e dependia do rei, desde os rendimentos auferidos pelo Templo à tutela das questões judiciais e militares, passando pela intervenção régia na organização interna da instituição, através da escolha dos freires e dos mestres e do controlo das reuniões capitulares.

Na sequência dos dados apurados, no ano de 1318, em Portugal, assistiu-se a grande atividade relacionada com a supressão da Ordem do Templo. Depois de no mês de agosto terem sido nomeados os procuradores de D. Dinis à Santa Sé,25 em 30 de setembro desse mesmo ano, em dois documentos distintos,26 foi copiada diversa documentação com efeitos probatórios sobre a Ordem do Templo.

Os procuradores enviados por D. Dinis à Santa Sé são João Lourenço de Monsaraz e Pedro Peres com a missão de negociarem junto da cúria romana o destino dos bens da Ordem do Templo em Portugal. Estes homens são, nem mais nem menos, um cavaleiro e um clérigo, respetivamente, representando a dupla condição dos freires. A procuração que receberam, datada de 14 de agosto de 1318, refere-os como «o nobre baron Joham Lourenço cavaleyro e o sagez baron Pero Peres, coonigo de Coymbra».27 A partir da citação, sublinhe-se a consciência da necessária capacidade de argumentação, já que da sagacidade com que os embaixadores expusessem os argumentos dependeria o sucesso da missão. Pela leitura da bula de fundação da Ordem de Cristo, percebe-se que a retórica se desenvolvia em torno da utilidade da nova instituição no contexto do poder régio e do impacto da condição fronteiriça da instalação dos freires no domínio da expansão da fé e da captação de proveitos materiais.

Perante tudo isto, a Ordem de Cristo foi oficialmente criada em 14 de março de 1319, pela bula «Ad ea ex quibus» outorgada pelo Papa João XXII.28 No dia seguinte, pela bula «Desiderantes ab intimis», D. Gil Martins foi nomeado Mestre da recém-criada Ordem.29 Estas bulas foram outorgadas em Avinhão, o que significa que o mensageiro que as trouxe até Portugal teria pela frente quase um mês de viagem.30

 

O Mestre escolhido – D. Gil Martins – tinha, até então, desempenhado funções similares na Ordem de Avis, precisamente a Ordem que viria a dar o nome à 2.ª dinastia portuguesa pelo facto de João, filho do rei D. Pedro I, que havia desempenhado o ofício de Mestre, ter sido convertido em Rei de Portugal em 1385. Falamos de D. João, Mestre de Avis, elevado ao trono com o nome de D. João I de Portugal. Segundo a bula fundacional, D. Gil Martins «gardara sempre lealdade ao dicto rrey», o que revela a necessidade de garantir, desde logo, a total cumplicidade com a coroa.31 No entanto, e com independência de quem é este homem, importa salientar que a sua escolha implica também a escolha da Ordem de Calatrava, com sede no reino vizinho e à qual estava ligado.

Para além dos argumentos régios já enunciados, houve outros fatores que reforçaram a justificação da criação da Ordem de Cristo, como a própria evolução económica e social do Ocidente medieval. Ao evidenciar-se a acumulação de problemas graves no contexto do sistema senhorial, fomentou-se a procura de novos espaços de afirmação, cada vez mais de perfil marítimo, revalorizando-se o potencial do Mediterrâneo para a história de Portugal.32 A este nível, tanto a já citada bula de criação da Ordem de Cristo como a de nomeação do seu primeiro Mestre expressam a intencionalidade de prossecução da cruzada em territórios situados para além da fronteira territorial.

A compreensão da criação da Ordem de Cristo implica o reconhecimento de duas outras questões capitais. Primeiro, não se pode reduzir à sua bula fundacional, pois a Ordem resulta de um processo que começa em 1307 e se prolonga até 1326. Segundo, não constitui uma ação isolada, sendo conhecidas manifestações da política régia de reforço da autoridade monárquica e de ambição de controlo de todas as outras Ordens Militares instaladas em Portugal.

Quanto à primeira questão, e do ponto de vista documental, há um conjunto de textos que fazem parte deste longo processo. A partir de 1307 foram produzidos documentos relacionados com a transição da base territorial do Templo para a administração régia, bens estes que só mais tarde seriam transferidos para a Ordem de Cristo.

A definição das áreas geográficas de influência da nova Ordem de Cristo constitui uma questão de resolução gradual. Castro Marim, assumida com toda a projeção na bula fundacional e integrada no bispado de Silves, foi escolhida para fixar a sede conventual. Era um lugar simbólico pela sua dimensão de fronteira, associada à cruzada. De acordo com a bula era «castelo muy forte a que a desposiçam do logar da seer defeso, que he na fronteyra dos dictos enmiigos e parte con eles, podiasse fazer nova cavalaria de lidadores de Jhesu Christo».33 Curiosamente, a sede dos Templários tinha funcionado bem mais a norte, em Tomar. Na mencionada bula de 14 de março de 1319 estabelecia-se a impossibilidade de revogação da doação régia da vila algarvia de Castro Marim, a par dos domínios situados em Castelo Branco, Longroiva, Tomar e Almourol, os quais tinham constituído o núcleo principal dos territórios Templários (à exceção de Castro Marim); a referência aos restantes bens imóveis era discretamente incluída numa expressão muito vaga, o que espelha o grande desconhecimento sobre a totalidade desse património. De acordo com as palavras do rei, D. Gil Martins «non sabe tambem hu esses beens son».34 As áreas de influência territorial da Ordem de Cristo eram bem mais amplas do que aquelas cinco propriedades que a bula fundacional menciona. Esta dispersão dominial por boa parte de Portugal (sobretudo em Trás-os-Montes, a sul de Coimbra e na Beira Interior, onde o rio Tejo funcionou como um eixo estruturante) refletia a configuração da propriedade da antiga Ordem do Templo.

A longa fase de transição dos bens de uma instituição para a outra, tendo os mesmos ficado, a título transitório, sob a administração régia, terá contribuído para a complexidade deste processo.35 Uma vez decidido o enquadramento para os bens dos Templários, em 24 de junho de 1319, D. Dinis restituiu à Ordem de Cristo determinadas propriedades.36 Por sua vez, em 20 de novembro de 1319, o Mestre D. Gil Martins deu carta de quitação ao rei, abrangendo todos os bens que recebera até então37 e, passados seis dias, toma posse desse património.38

A organização dos bens da Ordem de Cristo prolongou-se pela década de 20 do século XIV. As sucessivas Ordenações de 1319, de 1321, de 1323 e de 132639 demonstram a necessidade contínua de arrolar bens imóveis e de clarificar o seu estatuto no contexto da instituição. Comparados os estatutos jurídicos destes bens (organizados em cerca de 50 domínios), percebe-se o esboço de um processo de transferência de propriedade da tutela direta do Mestre e do convento para os comendadores, compatível com o reconhecimento de fidelidades à Coroa e à Ordem.

Exposta em síntese a evolução histórica da base patrimonial da Ordem de Cristo, chamamos a atenção para uma outra questão substantiva relacionada com a identificação das caraterísticas orgânicas e funcionais da própria Ordem. Em termos muito simples, que instituição é esta?

De acordo com a bula fundacional, devia organizar-se segundo a regra e as ordenações da Ordem de Calatrava, devia submeter-se à correição e visitação do Abade de Alcobaça da Ordem de Cister, tendo em conta a tutela de Cister sobre Calatrava.40 Já o Templo tinha tido uma matriz cisterciense, a qual terá condicionado a decisão papal de vincular a nova instituição a Calatrava, tendo por base um fundamento canónico.

Ao mesmo tempo que se fixava a base territorial através das sucessivas Ordenações, também se estabelecia o número de freires que compunham a Ordem de Cristo. As Ordenações de 131941 falam em 86 freires (71 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes), as de 132142 apontam 84 freires (69 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes), as de 132343 mencionam 80 (66 cavaleiros, 8 clérigos e 6 serventes) e as de 132644 recuperam os números da primeira versão, referindo 86 (71 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes). Do ponto de vista nominal não se sabe quem era a esmagadora maioria destes homens. As perseguições aos Templários, ocorridas sobretudo em França,45 não parecem ter tido lugar em Portugal, pelo que alguns Templários terão transitado para a nova Ordem.46

A segunda questão que acima referimos, e que se afigura determinante para a compreensão da criação da Ordem de Cristo, consiste no reconhecimento de que não se tratou de uma ação isolada no contexto que então se vivia. O evidente controlo deste processo pela monarquia tem eco em outras manifestações do reforço da autoridade régia sobre todas as outras Ordens Militares.

Com o final da reconquista territorial em Faro em 1249, percebe-se que se tinham criado as condições que permitiriam inaugurar uma nova atitude frente às Ordens Militares, isto é, um novo ciclo caraterizado pela intervenção régia nas Ordens e pela gradual perda de autonomia. O controlo das Ordens Militares por parte da monarquia era obrigatório para garantir a convergência de interesses, preocupação mais do que evidente no reinado de D. Dinis. As Ordens Militares tornam-se fundamentais para o desenvolvimento político, funcionando como um estímulo, uma espécie de elemento de pressão, para que a própria monarquia encontrasse formas governativas cada vez mais elaboradas e afirmasse a sua maturidade. Neste sentido, as Ordens Militares são convertidas em instituições para servir a monarquia e submetidas à sua autoridade, como provam as ações concertadas que atingem todas elas, como apontamos de seguida em termos muito sintéticos.47

No que diz respeito à Ordem do Templo, a coroa forçou a procura da autonomia do ramo português. Neste contexto, estão documentadas sentenças contra a Ordem do Templo em 1272,48 1274,49 127850 e 1283.51 Mas, o mais significativo foi o aproveitamento da sua supressão internacional para a criação da Ordem de Cristo.

Quanto à Ordem do Hospital, D. Dinis procedeu a várias permutas patrimoniais com os freires nos anos de 1286,52 1305,53 132354 e 1324,55 fazendo prevalecer os interesses do poder central,56 ao mesmo tempo que aumentava o controlo sobre a instituição. As contendas com a coroa ao longo deste reinado podem ser interpretadas neste mesmo sentido disciplinador.57 A partir da última década do século XIII, intensificam-se os conflitos em que a Ordem esteve envolvida, como comprovam documentos de 1291,58 1309,59 131260 e de 1321.61

Em relação à Ordem de Santiago, desenvolve-se a autonomia do ramo português face ao convento de Uclés, através da eleição de um mestre para Portugal. Até 1288, Portugal era considerado apenas como uma comenda no âmbito da organização peninsular espatária. Só com Pedro Escacho se redigiu, pela primeira vez, uma lista de comendas de Portugal, o que é bastante significativo.62

Por último, no que toca à Ordem de Avis, também se trava um processo de independência em relação a Calatrava.63 O rei D. Dinis quer interferir na escolha do mestre e afirma que esta Ordem é «cousa minha e dos reys que forom ante mim e que depos mim am de viir»,64 numa atitude intrusiva ao nível da orgânica interna da instituição, já que os mestres, em teoria, seriam eleitos pelos freires no convento. À semelhança do que se verificou em organizações congéneres, também houve litígios entre esta Ordem e o rei, que se revelam cruciais para interpretarmos esta conjuntura.65

Protagonizando estas medidas, o monarca manifestava a consciência que tinha em relação ao poder ameaçador destas instituições de carácter religioso, militar e senhorial. Assim, a partir do reinado de D. Dinis,66 torna-se óbvio que o controlo das Ordens Militares pela monarquia é indispensável.

Confrontadas com este tipo de políticas, as Ordens de Santiago, de Cristo e de Avis fizeram um esforço de adaptação ao nível da sua reordenação interna e da inventariação do seu património. Com efeito, todas elas redigiram textos normativos nos anos de 1326-1327.67 Cabe, no entanto, questionar se estes textos resultam apenas da iniciativa dos ramos portugueses destas Ordens Militares, forçadas a isso pela monarquia (tanto mais que, em 1325, sobe ao trono D. Afonso IV, podendo as Ordens ter encontrado o momento oportuno para tentar clarificar a situação), ou se são o resultado de instruções dadas por Calatrava (tanto mais que, em dezembro de 1326, Calatrava visita Montesa para aprovar as suas primeiras definições).

CONCLUSÃO

Do ponto de vista cronológico, em Portugal a conjuntura que leva à criação da Ordem de Cristo manifesta-se sobretudo entre 1307 e 1317. Desta altura são conhecidos diversos documentos que sugerem que se trata de uma década de notória interferência régia sobre os bens do Templo, seguida da fase de criação da Ordem de Cristo, no ano de 1319, e da sua organização funcional, despoletada de imediato, e que culminaria na promulgação das Ordenações de 1326. O processo de transição do património da Ordem do Templo para a coroa e, por fim, para a Ordem de Cristo foi bastante lento e desenvolveu-se em três etapas até se estabilizar a base patrimonial desta nova instituição.