Vida De Hospedeira

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Contou de ter estado no mercado do peixe Tsukiji, o mais grande do mundo, e mais limpo e organizado, de ter visto papelarias com nove pisos e bares que contem no máximo cinco pessoas; de se ter perdido em Harajuku, um bairro de moda na minúscula ruela Takeshita, entre as pequenas lojas de moda, frequentados por jovens de roupas vistosas e extravagantes; de ter tido conhecimento que existem restaurantes chamados Maid café, onde as empregadas de mesa dão de comer aos clientes, para demonstrar a sua submissão, fazem-nos massagens e os entretêm com danças e canções, como umas antigas gueixas; pelo contrário nos Butler café a servir as mulheres são os mordomos. Informou-nos que lá os preços das novas marcas de máquinas fotográficas e câmaras de filmar são muito competitivos e que se podem encontrar mesmo usadas, mas em perfeitas condições, como mesmo as ultimas novidades tecnológicas que ainda não chagaram na Itália, e que os relógios de prestigiosas marcas têm preços inferiores a 35% relativamente aos catálogos italianos, e encontram-se, também usados com garantia, nas lojas denominadas Best. Disse enfim, antes de atirar-se na cama pelo cansaço, que num restaurante chamado Al dente (Mal passado), os spaghetti (esparguetes) são excepcionais, quase muitos bons daqueles italianos, e que ficou entusiasmada pela massagem quiroprática feita na zona de Shinjuku.

Reportei também estas informações na minha lista das dicas.

Aprendemos, com os primeiros voos, simples, mas necessárias regras por seguir, que eu escrevi cuidadosamente numa pequena folha de papel e colei na geladeira com o íman apanhado pela Valentina em Buenos Aires, com figuras de dois bailarinos de tango, e com a escrita Bienvenido in Argentina, o primeiro dos tantos imanes provenientes de toda a parte do mundo que submersas literalmente no frigorifico, deixando seguidamente perder de vista aquele memorial que inicialmente foi muito útil para consultar antes de cada voo. Durante anos começou a fazer parte de mim.

Tal memorial assim dizia:

Coisas para não fazer:

- Não dar por acaso a impressão de ter pressa.

- Não falar nunca entre colegas durante o serviço de episódios pessoais.

- Evitar expressões nojentas ou indolentes e atitudes hostis.

- Procurar não usar nunca frases autoritárias tipo:

«Fecha a mesinha!»

«Cintura!»

«Telemóvel!» mas convidar gentilmente para seguir as directrizes.

- Não falar em voz alta com os colegas.

- Não desmoralizar-se ao encontrar uns lugares próximos a pessoas que viajam juntos fazendo eventuais afastamentos e sugerir para dirigir-se ao check-in com uma certa antecedência para er grandes possibilidades de atribuição dos lugares.

Coisas para lembrar

A – Requisitos base do pessoal embarcado: capacidade de garantir a segurança a bordo, responsabilidade e profissionalismo.

B – O passageiro tem a necessidade de conforto psicológico, protecção do stress e do medo de voar.

C – Elementos inevitáveis: cortesia, atenção e disponibilidade durante toda a duração do voo.

Percebemos com o tempo, que a nossa atitude é fundamental para contribuir na resolução de um problema a bordo.

Alguns inconvenientes e ineficiências eram justamente o objecto de queixas da parte dos passageiros e implicavam a necessidade de uma intervenção: conseguir comunicar claramente e procurar de resolver dificuldades e problemas que se apresentam a bordo não era sempre fácil.

Era preciso ter em conta a gravidade do problema, o contexto do momento, do carácter e do estado psicofísico do indivíduo com quem se relacionava, porque não se conhecia por acaso a pessoa com quem se relacionava, a situação que se poderia verificar e as possíveis posteriores degenerações que poderiam insurgir.

Com calma e determinação era fundamental assistir fazendo do problema do outro seu e apresentando-se como uma referência segura, perceber os motivos sobre o que aconteceu e equilibrar o problema.

Era importante escutar o que dizia o outro, mas também observar objectivamente a situação, informar e explicar com sensibilidade e responsabilidade, expondo com transparência as possíveis soluções.

Era preciso recordar que muitas vezes a insatisfação do passageiro era influenciado por factores externos tais como atrasos, trânsito difícil, embargos desorganizados, aeronave desconfortável, limpezas despachadas, pois um estilo compreensivo e proactivo podia ajudar-nos na resolução do problema.

Medo de voar

Eva, um dia de um longínquo Outubro, ficou insuportável depois das habituais discussões que se faziam sobre a ordem por manter em casa, porque as admoestações eram dirigidas sobretudo a ela.

Sentia as suas pragas, condimentadas com citações em língua napolitana, em contraste com a sua eloquência habitualmente desprovida de inflexão dialectal.

Serão as frequentes radiações cósmicas, os campos magnéticos, as vibrações ou o ruído dos aviões a causar estas mudanças de humor»

Ludovica, entretanto, decidiu reservar uma massagem ayurvédica para fortalecer os músculos, relaxar o corpo e estimular a circulação nas instalações da esteticista indiana que estava afecto nas proximidades, e me informou que a partir da segunda-feira seguinte faria dieta porque Eva lhe tinha dito que ultimamente lhe parecia pesada.

Eu estava encolhida no sofá, com confortáveis roupas de casa e um cardigan (casaco de malha) masculino informe cor bagaço de uvas, um xaile sobre as pernas protegia-me das primeiras correntes de ar do inverno e estava preocupada para me conceder um destaque mental, um relaxamento.

Não conseguia dormir porque a adrenalina do depois do voo não tinha passado ainda.

De repente assaltou-me a lembrança do dia apenas passado.

Tinha conhecido a bordo os cônjuges Lucherini: a senhora Lucrezia e o doutor Massimo.

Durante o embarque eu tinha notado logo uns sinais de tensão dos seus comportamentos: os dois se cingiam para ocupar os seus lugares, com a coluna um pouco inclinada, caminhando de forma rígida, com o queixo baixo, a cabeça inclinada para baixo e uma atitude passiva, dócil.

Os braços deles estavam direitos e esticados rigidamente ao longo dos lados, aqueles dela estavam cruzados, quase a proteger-se instintivamente, e ambos reparavam-se em volta, como se estivessem a procurar algo, uma via de fuga; as pupilas de ambos estavam de tal forma dilatadas para parecer afectos por midríase.

Os movimentos do corpo eram lentos e notava um ligeiro sorriso a mim dirigido, que retribuía com cortesia.

Estavam sentados rígidos, encostados na margem externa do assento, com um pé posto a frente e outro atrás, como se eles tivessem o desejo de fugir, mudando continuamente de posição, como se o assento queimasse.

O meu responsável, aparentemente o sósia de James Dean, sempre alegre, mas com uma nota triste quase imperceptível no seu olhar, deu-me sinal para me ocupar deles.

Aproximei-me ao casal, perguntando se precisassem da minha assistência, e a senhora disse não, enquanto abanava a cabeça como quem quer dizer sim, e começou a baloiçar com o busto, retendo o fôlego como quem não quer deixar-se notar.

Logo apercebi-me da situação. A senhora sofria duma perturbação, bastante comum para muitas pessoas, que cria variegados problemas e atinge de forma indiscriminada: o medo de voar.

Tinha estudado no curso como comportar-se nestes casos: o medo excessivo conduz ao risco de desembocar no pânico, o medo pode transformar-se intransponível e conduzir até a uma falta de controlo.

Os sintomas provocam vertigens, náuseas, nós na garganta, palpitações, transpirações frias, taquicardia.

Mesmo não pedidos, dei a eles alguns conselhos sobre o comportamento a adoptar em caso de má disposição: suprimir a ansiedade não faz nada apenas contribui para aumentá-la e é preciso, pelo contrário, aceitar os próprios receios e mostrar-se a eles com uma atitude positivo para conseguir geri-los e controlá-los.

Além disso, sugeri para eles nada de cafeína, um bom livro ou umas palavras cruzadas para manter a mente ocupada.

Durante a descolagem vi os seus rostos empalidecer-se e um aviso da chamada proveniente da posição deles.

Depois de ter soltado o cinto de segurança, aproximei para controlar a situação.

A senhora começou a abrir-se: «desculpe pelo incómodo» timidamente manifestou-se.

«Queria informá-la que estou aterrorizada, mal sinto uma mínima oscilação tenho a impressão que o meu estômago divide-se em dois. O meu problema é que o vácuo do ar provoca-me sensações desagradáveis. Tenho a necessidade de apanhar o avião para ir ao encontro da minha mãe, muito anciã, na Alemanha, e não posso prescindir.»

Vi que passou as mãos entre os cabelos e começou a atormentar-se, uma madeixa com um enrolamento frenético.

O marido a abraçou quase para acarinhá-la, um pouco arqueado e desajeitado com os lábios contraídos e as mãos suadas, mostrava, mesmo ele, claros sinais de desconforto.

«É perigoso o temporal?» perguntou-me com um volume muito baixo, mastigando bocados de palavras, sílabas e com contínuos movimentos dos músculos faciais.

As mãos do marido começaram a tamborilar com os dedos em cima da mesinha que estava a frente.

Com um tom calmo e decidido disse para eles: «não, está tudo sob controlo, não teríamos partido se houvesse qualquer perigo. Está tudo sob controlo» eu, disse de novo.

«A chuva não criará algum problema à nossa segurança, certas desagradáveis sensações de tédio será dado pelo vento, que provocará uma normalíssima oscilação.

 

Regressei para a galley/cozinha de bordo para organizar o trabalho junto da colega.

A senhora alcançou-me logo em seguida.

«Por favor, ajuda-me! Queria gritar, chorar. Cada voo é uma tragédia e eu começo a ficar nervosa mesmo um mês antes da partida, só de pensar em fazer a mala. Tenho vergonha disto, mas não sei como fazer., queria desaparecer!» ela, implorou com fervura e humildade.

«Esteja tranquila, poderia ter a impressão que o avião anda aos solavancos, mas é apenas o ajustamento da altitude.»

Aproximei-me lentamente, até chegar ao lado dela, sem hesitações.

Com um tom baixo, de forma clara e soletrando as únicas palavras: «não se preocupe, estou aqui eu» lhe disse, encurvando ligeiramente os ombros e me aproximando para tentar dar auxilio desejado, procurando de dissolver aquele seu embaraço, relaxar as suas ânsias.

Respeitava o seu medo irracional e compreendia o desconforto.

Agarrei-lhe o braço firmemente, apertando-lhe delicadamente com as ambas mãos e a reparei nos olhos para estabelecer um maior contacto.

Acompanhei-lhe de novo ao seu lugar.

A senhora assemelhava-se à minha mãe, mesma idade, muito educada, aparentemente frágil e nesta ocasião foi fácil entrar em síntese com os seus sentimentos.

Durante o voo, eu passei na cabina mais vezes, acompanhando-a com o olhar para tranquilizá-la.

Chamou-me à infinita vibração e eu procurei dissipar aquelas dúvidas e medos que persistiam e manifestavam-se através da sua postura sempre rígida.

Lhe disse que a segurança no avião tem um nível altíssimo, que os controlos técnicos e a manutenção são contínuos, e os pilotos perfeitamente treinados.

Durante a preparação da cabina para a aterragem perguntou com um fingimento despreocupado:

«Serão normais, estes alaridos, ou existe algo que não está bem?»

Informei a ela sobre a proveniência de todos os ruídos que poderiam provocar desconfiança: o posicionamento dos carrinhos, a abertura dos portalós, a aceleração e as variações dos motores, o derramamento através das asas de flaps e slats, o toque prolongado da campainha do nosso micro telefone, os avisos de chamada dos passageiros.

Sentia que apreciava saber estas notícias, mesmo continuando a roer as unhas, sem aperceber-se convidei-a para inspirar e expirar profundamente e lentamente para oxigenar o corpo para que os músculos se relaxassem, acrescentando sinais sobre a técnica do training autogéneo para um relaxamento progressivo.

A senhora agora aparecia sentada da maneira mais confortável, mais a vontade, como também o doutor Lucherini, ainda que no seu rosto permanecesse uma expressão incerta, um pouco de plástico, com a parte direita do seu sorriso ligeiramente posicionada mais para cima daquela esquerda.

«A senhora é o nosso anjo dos céus» disse ela.

Descendo houve apenas alguns ligeiros solavancos devido a travessia da perturbação e o voo terminou com uma aterragem suave.

«Senhores e senhoras, bem-vindos. Vos desejamos uma agradável estadia.»

Chegamos perfeitamente na hora certa em Frankfurt.

A senhora, antes de transpor a porta de saída, abraçou-me com subtileza e elegância e me disse: «obrigada.»

Era eu a comprovar reconhecimento pela sua amabilidade.

O marido apertou-me a mão com rigor e com uma renovada força, libertando a classe que o tinha caracterizado desde o inicio.

«Até a próxima!»

Estas eram as recordações do voo apenas feito, que reaparecem sem pré-aviso na mente quando estás para saborear de novo o calor de casa. Inesperadamente ouvi a porta a bater.

Eva tinha saído.

Puxei o cobertor por cima do rosto para atenuar a luz que entrava pela janela.

Finalmente em casa.

Este é cada vez o momento em que devagarinho os pensamentos começam a perder-se: algures.

Tudo acabado. Por hoje está tudo terminado.

O meu trabalho tem múltiplas dificuldades, mas certamente dum lado apreciável: quando tens terminado não as leva para casa. Não tens mais nenhuma tarefa a desenvolver uma vez chegado – excepção feita para os estudos por efectuar recorrentemente para o treinamento – e isto é muito torna-te sereno. Quando desces pelos escadotes do avião deixas tudo ali, a partir daquele mesmo instante podes voltares a ser tu mesma.

Ficam apenas as recordações.

E eu, todas as vezes fecho os olhos, e quando estou para adormecer, o escuro doado pela pequena máscara nos olhos invade-me como um tecido que devagarinho cobre de novo cada coisa: é aliciante, revitaliza a memória das coisas bonitas, aproxima-me suavemente ao sossego e me ajuda a apaziguar-me com o cansaço: a reaproximar-me a mim mesma, a reencontrar-me. Naqueles momentos, aquela paz e aquele silêncio hidratam de novo a minha alma.

Tinha chegado, desta forma o momento para relaxar.

Estava quase para adormecer perdendo-me entre os meus pensamentos, considerando que voar muito frequentemente – delimitados e apertados no interior dum avião – possa ser considerado anormal, o medo de desenvolver individuais receios inconscientes e remotas é absolutamente lícito.

E como muitas vezes acontece ainda hoje, à procura de mim lembrei naquele momento, episódios do meu longínquo passado, compreendendo ainda uma vez como são capazes de influenciar-te praticamente durante toda a vida.

A adolescência

Desde jovem, o facto de ter sempre pouco tempo à minha disposição foi motivo de sofrimento porque me sentia como prisioneira dos poucos espaços pessoais e dos breves momentos de liberdade concedidos, pois que devia atentamente e absolutamente respeitar os horários impostos.

Não era dona do meu tempo.

Recordei que até aos dezoitos anos o meu horário de regresso, nos poucos sábados de noite em que me tinha permitido de sair, era no máximo as vinte e duas e trinta.

Os meus amigos reuniram-se as vinte e uma para decidir onde ir comer, implacavelmente estávamos todos sentados à mesa não antes das vinte e duas.

Tinha sempre pressa, ficava nervosa se o empregado de mesa demorava chegar, não conseguia desfrutar da companhia dos outros porque sabia que deveria regressar muito cedo.

Tinha-me concedido apenas o tempo para fazer o pedido, esperando num célere serviço que me permitisse pelo menos de saborear aquela pizza, ainda que tinha perdido o apetite porque o meu estômago começava a ficar tenso e os sucos gástricos a misturar-se de novo pela agitação.

Seja como for, eu levantava-me da mesa já perfeitamente atrasado para chegar em casa à hora combinada.

Era sempre difícil convencer alguém para acompanhar-me interrompendo o jantar, mas o horário de regressar era incontornável e categórico e eu não possuía nenhum meio de transporte.

Durante o trajecto até a casa não era observado nenhuma proibição de velocidade, sob o meu inconsciente suplicável pedido.

Muitas vezes a luz vermelha dos semáforos era superada com desconsiderada inconsciência.

Tinha pavor da velocidade no carro, e tudo até agora. Via passar rápido como uma flecha, como dentro de um pesadelo, aquelas luzes nocturnas; os faróis dos outros carros e aqueles lampiões passavam muito veloz aos meus olhos.

Era o preço a pagar para evitar as humilhações e ferozes reprimendas ao meu regresso; se apenas tivesse arriscado em falhar, teria encontrado a porta de casa fechada por dentro e eu teria sido forçada a inventar alguma desculpa para tentar de não ver aquela careta ameaçadora no rosto do meu pai, irritado pela minha desobediência, da falta de respeito, mas também preocupado certamente.

Intimidação, punição e censura manifestavam-se repetidamente com gritos, bofetadas e novas mais rígidas proibições.

Tudo isto mesmo até mesmo por atraso de poucos minutos.

Poucos minutos.

Sem dúvida papá foi bastante severo.

Lembrei o dia em que estava felicíssima de ter tido a permissão para poder participar à festa de aniversário da minha melhor amiga, foram dias que procurava persuadi-lo.

Lá terei encontrado um miúdo, um colega da turma que me agradava muito.

Mesmo prestando atenção que o meu vestuário tomasse em consideração as preferências paternas, ou talvez seria melhor dizer rigores, pois a saia não muito curta, roupas não justas e sapatos sem o salto alto, resolvi de experimentar uma bolsinha de toilette para maquilhagem que me tinham oferecido.

As minhas mãos inexperientes exageraram ao pincelar nas bochechas aquele pó de arroz tão rosa e tão agradável aos meus olhos, e aquele batom tão brilhante, tão vermelho nos meus lábios deixava sentir-me mais linda, um toque de rímel teria completado a obra.

Tinha dezasseis anos e aquela maquilhagem resultou horrível aos olhos do papá, inadequado para a sua filha que tinha tentado de transparecer à uma miúda bastante sedutora.

Irritado, friccionou a sua mão com força sobre a minha boca distribuindo o batom sobre as bochechas para tentar desfazer aquilo que tinha cuidadosamente pintado na minha cara.

Os meus olhos começaram a lacrimejar e uma auréola negra formou-se nas minhas pálpebras já inchadas pelo choro; espelhei-me na casa de banho e vi a máscara de um palhaço.

Depois de me ter lavado com sabão que queimava os olhos, mas que tirou todas as manchas residuais do rímel e do batom, tive finalmente a permissão para poder participar e fui àquela muito esperada festa um pouco avermelhada e tímida, mas desprovida de maquilhagem.

Não consegui divertir-me.

Naquele período de adolescência que eu teria desejado fugir, ir para longe, partir, viajar, viver sozinha.

Os sonhos, armados de teimosia e força de vontade, realizar-se-ão, não sempre, mas percebi naquele dia, onde e quando nascem.

Pouco a pouco, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sabia notícias importantes e experiencias necessárias para conseguir relacionar-me melhor com os meus colegas e com os passageiros que tinham personalidade e características multiformes e heterogéneas.

Imediatamente compreendi, todavia, que a organização base da minha vida decidia-se no fim do mês, através da esperada, sempre com muita impaciência, folha de turnos: uma tabela aparentemente anónima e fria que torna notável a programação laboral do mês sucessivo.

A companhia aérea inseria as comunicações oficiais nas caixas pessoais, uma espécie de fileira de infinitas caixinhas postais colocadas numa sala digna de um filme policial junto do aeroporto, ultimamente substituído através dos e-mails.

A folha de turnos, almejado mês após mês, causava-me ânsia, muitas vezes entusiasmo e grandes expectativas, as vezes desilusões por aqueles repousos, aqueles voos requeridos, aquelas ambiciosas férias pedidas que não eram sempre aceites.

Todos os compromissos, as dedicações, os casamentos dos quais poderia ser mesmo a testemunha, as eventuais finais das partidas de futebol de salão, os bilhetes reservados para a primeira fila no teatro, o adeus à vida de solteira da minha melhor amiga, o aniversário de um eventual namorado, o almoço de Natal, o aniversário dos meus pais, a semana de time sharing na montanha, o curso de tango das quintas-feiras a tarde tinham com frequência muito poucas possibilidades: a participação em todos os eventos devia de cada vez adequar-se às decisões tomadas pelo computador da Companhia do grupo de trabalho.

A partir daquele momento era possível aceitar ou declinar convites, tomar notas importantes, estabelecer horários desestabilizadores para ir ao ginásio, dar saltos mortais para chegar a tempo em qualquer lugar, ou chegar, mesmo atrasado, na reunião do condomínio, dizer adeus ao torneio de trunfo, mas em compensação ter a satisfação de ver Gigi Marzullo, acordados como lebres dado o fuso horário.

Os dias de descanso num mês eram mais ou menos dez, enquanto para os residuais vinte usava-se uniforme.

Eu, Eva, Valentina e Ludovica esperávamos sempre de ter horários e dias de partidas escalonados um do outro, seja para ter maior espaço em casa, como para uma melhor organização dos tempos sobre o principal inconveniente: estadia prolongada na casa de banho.

Era fácil que um voo iniciasse muito cedo de manhã e o despertador, à madrugada, programava-se habitualmente uma hora antes.

Depois do café da manhã rapidíssimo e um bom duche fortalecedor, usava-se o uniforme preparado no dia anterior, verificando se os sapatos estivessem polidos e as meias não estivessem desbotadas pelas lavagens ou danificadas.

 

Grande parte de nós tinha um segredo inconfessável: a camisa era usada dentro das horríveis meias calças, frequentemente graduadas para evitar o surgimento das veias varicosas e inchaços devidos à pressurização, porque só assim se podia evitar a saída da blusa da saia quando eram levantados os braços para arrumar as bagagens ajudando os passageiros.

Por baixo da saia era invisível!

Ajeitada a roupa, passava-se à maquilhagem cuidada, nos preocupava que os cabelos estivessem em ordem, depois se controlavam os documentos.

Na carteira de mão não deviam faltar o escapulário de voo, lanterna, caderneta de anúncios, manual operativo, meias de reserva, sapatos com salto raso para os percursos mais longos, luvas de pele para calçar. No aeroporto em Crew Briefing Center, centro de recolha de todas as tripulações, em cada uma das salinhas reservadas começava precisamente o briefing.

Reunia-se para conhecer a tripulação, apresentava-se, discutia-se sobre as questões críticas que manifestam uma crise do voo, sobre as condições meteorológicas, vínhamos informados sobre os aspectos comerciais, sobre o tipo de serviço e sobre os passageiros que estariam a bordo.

O enquadramento era quase tipo militar, existia uma hierarquia e como tal devia ser respeitada.

O chefe de toda a tripulação era o comandante, depois o co-piloto, a seguir os assistentes de bordo, no que diz respeito ao serviço fornecido e a relação com os passageiros, tinham como ponto de referência o responsável do próprio sector de trabalho que colaborava com o chefe da cabina, o qual dirigia o andamento do voo e mantinha os contactos com o cockpit, a cabina de pilotagem, isto é os pilotos.

No fim do voo, cada assistente era submetido a um juízo escrito e comparado, onde eram avaliados o profissionalismo, as competências técnicas, o conhecimento da língua estrangeira, a assistência dada aos passageiros e se o aspecto estético estava em conformidade com as normas.

E foi desta forma que os anos passaram, voo após voo, encontros acima de encontros, fusos horários e noites sem dormir, línguas diferentes entre elas, países tórridos e continentes gélidos, comidas condimentadas com especiarias e sabores delicados, céus serenos e turbulências impensáveis.