A Ditadura Das Máscaras

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A Ditadura Das Máscaras
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Manu Bodin

A ditadura das máscaras

Novela

Traduzido do francês por Casa dos Sacaios

© 2021 - Manu Bodin

1  A ditadura das máscaras

2  Testes

3  Medicamentos

4  Do mesmo autor

Esta novela não é ficção e relata eventos que aconteceram durante uma viagem ao estrangeiro. Em vez de contestar a multa recebida, resolvi partilhar em narrativa esta experiência fascista e, simultaneamente, defender as minhas opiniões sobre o desconcertante excesso de zelo do governo para com os cidadãos, cujos direitos e necessidades naturais de respirar e comer são esmagados por uma lógica restritiva que ultrapassa a compreensão.

A ditadura das máscaras

Neste ano da desgraça de 2020, na segunda-feira, 14 de setembro, cerca das 16:30 uma força de gendarmes achou por bem mandar parar, para dar espetáculo, na autoestrada A4 - conhecida como Autoestrada do Leste – o nosso autocarro, operado pela empresa Sindbad, em rota de Paris para a Polónia. O motivo invocado não foi a identificação dos passageiros, como acontece na Alemanha quando os autocarros atravessam o país – são situações desagradáveis que atrasam a viagem – ou para assinalar algum problema com o veículo. A intenção dos dois gendarmes, que aparentemente não tinham mais nada para fazer naquele dia, não passava de um pretexto para dar uma lição de moral com o único fito de “cumprir objetivos”, fixados durante o quinquénio macroniano e que o Estado francês impõe ao povo e a todos os cidadãos do mundo que se aventurem em território seu neste período de pandemia. Pessoas escolhidas aleatoriamente no autocarro eram brindadas com uma multa de categoria 4, no valor de 135 euros por estarem a infringir o uso obrigatório de máscara determinado pelos charlatães que nos lideram e já mostraram a sua nulidade como governantes de França ... os mesmos que meses antes, quais pavões em frente às televisões, afirmavam alto e bom som que as máscaras eram inúteis. As suas palavras ficaram gravadas e qualquer um pode ouvi-las na Internet. Assim que as máscaras se tornaram uma prioridade comercial e ficaram acessíveis em lojas e centros comerciais – vendidas a um preço abusivo – a milícia macroniana passou a exibir-se amordaçada (para mostrar o exemplo que a plebe tinha de seguir e, sobretudo, para incutir nas pessoas constrangimento e medo). A máscara não lhes tolheu a língua, o que teria evitado que o nosso sistema auditivo fosse martelado com uma quantidade substancial de mal-entendidos. A política do reizinho no poder para com os cidadãos poderia, portanto, resumir-se a: “calem a boca e obedeçam assim que eu tomar qualquer decisão!” À falta de uma ditadura oficial, temos a imposição, num país que já foi o dos direitos humanos e dos cidadãos. É assim que muitas vezes funcionam os regimes ou dirigentes que perdem o controlo, a estima e a influência nas populações. A obstinação, o autoritarismo e a violência não passam de uma confissão de fracasso perante um povo que já não se reconhece no poder dominante e luta para o abalar e derrubar, porque sabe que o sistema atual não pode durar e tem de ser alterado, custe o que custar, para bem de todos. Enquanto me endireitava, apercebi-me, através da janela, de um gendarme dando instruções ao motorista para estacionar ao lado da portagem da autoestrada. Só assisti ao fim da manobra porque tinha as mãos dentro de um saco e a cabeça para baixo enquanto procurava um pacote de bolachas que andaria perdido entre sandes, garrafas de água, pacotes de batatas fritas e pertences pessoais. A máscara, que já tinha tirado, estava pendurada à minha frente, a cerca de trinta centímetros, presa pelo elástico a uma pequena garrafa de água, colocada dentro da rede de porta-objetos nas costas do assento à minha frente. Podia ter voltado a colocar a máscara antes de o gendarme entrar no autocarro, porém não achei que estivesse a incorrer em qualquer tipo de infração. Em tempos normais quase não existem controlos em França; os autocarros circulam sem constrangimentos ou contrariedades; é algo que podemos definir com a palavra Liberdade, que está inscrita pela Constituição nas divisas francesas. Naquele dia fiquei surpreendido quando nos mandaram parar.

Estava sentado na terceira fila do primeiro andar do autocarro. O meu lugar era em frente à escada que ligava as duas plataformas. Quando o gendarme chegou lá acima fui a primeira pessoa que viu. Olhei fixamente e ele retribuiu o olhar. Num gesto de boa-educação disse-lhe “boa tarde” e ele retribuiu passando por mim sem nada pedir, no instante em que me preparava para tirar o passaporte do saco e mostrar-lhe. Fiquei surpreendido por não reparar em mim. O gendarme parecia não se aperceber que havia duas filas de lugares antes da minha e uma à esquerda com outros dois passageiros. Debruçou-se sobre o homem que estava na fila atrás da minha, no lado oposto do autocarro, e disse-lhe que tinha de sair do veículo, depois virou-se e disse: "Tu também!" Obedeci, voltei a pôr a máscara no focinho, agarrei no passaporte, enquanto o meu pacote de bolachas ficava à espera no assento do lado. Desci e saí. Lá fora esperava-me um segundo gendarme. Desta vez era uma mulher. Trocámos as saudações habituais e entreguei-lhe o meu passaporte aberto na página das informações de identidade. Olhou para mim e disse: “A máscara!”

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