Christovam Colombo e o descobrimento da America

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Christovam Colombo e o descobrimento da America
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J. M. Pereira da Silva

Christovam Colombo e o descobrimento da America


Publicado pela Editora Good Press, 2022

goodpress@okpublishing.info

EAN 4064066410872

Índice de conteúdo

ADVERTENCIA

CHRISTOVAM COLOMBO E O DESCOBRIMENTO DA AMERICA

PRIMEIRA CONFERENCIA

17 de maio de 1891

SEGUNDA CONFERENCIA

31 de maio de 1891

TERCEIRA CONFERENCIA

14 de junho de 1891

QUARTA CONFERENCIA

28 de junho de 1891

QUINTA CONFERENCIA

12 de julho de 1891


ADVERTENCIA

Índice de conteúdo

Ao approximar-se o 4º centenario do descobrimento da America por Christovam Colombo, e ao annunciarem-se festejos, com que tem de ser celebrado em Madrid, Chicago e Genova, tão fausto e glorioso acontecimento, entendeu a Sociedade Promotora da Instrucção, fundada no Rio de Janeiro, que lhe convinha egualmente commemoral-o, restaurando as conferencias{X} populares á que anteriormente havia presidido, e encarregando ao Sr. Conselheiro João Manuel Pereira da Silva a missão de tratar d'aquelle assumpto.

Cinco conferencias effectuou o Sr. Conselheiro, resumindo quanto interessava á historia do descobrimento da America e á biographia de Colombo. Acolheram-nas as Gazetas e o publico com a maior benevolencia. O decano da imprensa brazileira, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, as fez apanhar por meio de tachygraphos, e as publicou integralmente em suas interessantes columnas.

Essas conferencias formam, reunidas, o actual volume.

Não as quiz o autor alterar e nem imprimir-lhes novos additamentos: entendeu que si valor haviam tido, não o deviam perder, modificadas que fossem na fórma ou na essencia. Convinha mais que corressem{XI} como foram pronunciadas, corrigidos apenas os erros da imprensa, e riscados os incidentes da occasião, que só interessavam ao orador e ao auditorio.

O estylo e a linguagem do orador devem a fórma ao improviso da palavra e das phrases, e por isso apresentam naturalmente incorrecções e lapsos, porque lhes falta aquella lima que o escriptor emprega em suas vigilias, quando recolhido ao seu gabinete, e quando adstricto á uma acurada meditação.

Comprehende-o o leitor intelligente, e, pois, apreciará com justiça.{XII}

{1}


CHRISTOVAM COLOMBO
E
O DESCOBRIMENTO DA AMERICA

Índice de conteúdo

PRIMEIRA CONFERENCIA

Índice de conteúdo

17 de maio de 1891

Índice de conteúdo

Subindo hoje a esta tribuna que, ha cerca de dous annos, conserva-se muda, deserta, abandonada, e relanceando os olhos pelo auditorio no intuito de comprimental-o, e agradecer-lhe o comparecimento, assalta á meu espirito uma idéa triste, confrange-se-me o coração com uma dolorida reminiscencia. Noto a falta de um grande patriota que desde o começo e durante{2} muitos annos seguidos honrou sempre estas conferencias, animando os oradores com sua presença, incitando os ouvintes com suas palavras, áquelles pedindo a perseverança no trabalho, a estes aconselhando concorressem afim de se alcançarem resultados vantajosos e proficuos aos estudos scientificos e litterarios. Refiro-me ao Sr. D. Pedro II, que ora, ingratamente expellido da patria, sente de certo ainda bater-lhe o coração de saudades por ella, e faz votos ardentes pela sua felicidade e futuro.

Pago este tributo de gratidão, prestada uma homenagem devida de respeitosa saudação, passo a tratar do assumpto annunciado para nossa conferencia de hoje, appellando, como em outras occasiões, para a vossa benevolencia.

Sorriu-me esta idéa com a leitura dos annuncios publicados em periodicos de varias nações. No proximo anno de 1892 celebrar-se-ha o quarto centenario do descobrimento da America. Achamo-nos na America, somos Americanos, porque nos não recordaremos de epoca tão memoravel!{3}

Para que se comprehenda, porém, a historia do descobrimento da America, necessario nos é começar pelo estudo da situação social, politica, economica, scientifica e litteraria da Europa durante o seculo XV.

Sahia da edade média, penetrava na da renascença, e passava por extraordinarias evoluções. Cahia a feudalidade, isto é, o dominio despotico, brutal e caprichoso de fidalgos, senhores de castellos, de cidades, de vastos territorios, tanto leigos como ecclesiasticos e que, independentes dos chamados reis e imperadores, victimavam os povos residentes em suas terras e sob seu jugo. Elevava-se sobre as ruinas do feudalismo o poder illimitado dos monarcas, que começavam a governar nações maiores e mais unidas: apparecia já tambem á tona d'agua, reclamando liberdades civis, a classe média e popular, que até então existira esmagada e submettida.

Desenvolvia-se a industria e o commercio; propagava-se a instrucção que estava monopolisada nos claustros, privativa quasi dos representantes{4} da egreja christã que succedera ao antigo culto do polytheismo pagão.

Occupava-se, todavia, toda a Europa em guerras ou intestinas ou externas: Italia era presa de estrangeiros; França lutava com Inglaterra, unida á Bourgonha e Bretanha; Allemanha fazia e desfazia imperadores nominaes; Hespanha brigava com Arabes e Mouros, ainda donos de parte de seu solo, e repartia-se tambem em varios estados christãos independentes. O imperio grego de Constantinopla estorcia-se em paroxismos diante das invasões e victorias dos Turcos asiaticos, que o assaltavam de continuo.

Nenhuma nação possuia então marinha militar propriamente dita e apenas exercitos, dando-se as grandes batalhas e praticando-se as excursões bellicas em terra e só em terra.

Havia, porém, em um canto da Europa, o mais occidental, banhado pelo Atlantico, um povo pouco numeroso, mas guerreiro. Firmara na batalha de Aljubarrota por uma vez sua nacionalidade apoz tres seculos de separação e{5} tal qual independencia do resto das Hespanhas. Proclamara-a nas côrtes de Coimbra de 1385, elevando ao throno D. João, Mestre de Aviz, filho bastardo de D. Pedro I. Não tinha mais inimigos a combater, carecia, entretanto, de empregar sua actividade e aspirações audaciosas em qualquer empreza de vulto.

Desmembrado no principio do seculo XII do Condado da Galiza, convertido em reino independente, alargara-se pela conquista sobre terras de Arabes e Mouros até o sul. Mais longe ia-lhe a ambição, e, pois, adiantou para o mar suas energias e affoitezas. Não tivera ao principio marinha, e para se apoderar dos territorios meridionaes precisou do auxilio das armadas do Norte, que se dirigiam ás Cruzadas. Do governo de D. Diniz em diante aprendera, porém, com os Genovezes a atirar-se ao oceano. Não o convidava elle com seus murmurios á lançar-se-lhe nos braços?

Feliz como rei, afortunado como pai, foi D. João I. Seus cinco filhos honraram-lhe cavalheirosamente a familia e a patria, já pelos{6} talentos e qualidades, já pela bravura do braço e ardentia do animo. D. Duarte foi rei e rei preclaro. D. Pedro, Duque de Coimbra, illustrado em todos os conhecimentos scientificos e litterarios da epoca, animo prudente, superior, e esforçado cavalheiro, ganhou experiencia em viagens pela Europa e Asia, e era por isso chamado o Infante das sete partidas do mundo. D. Henrique de Vizeu combatera em Ceuta como um leão, e entregava-se aos estudos cosmographicos. D. Fernando morreu prisioneiro de Mouros em Fez, e D. João ainda moço acabou a vida, quando ambos promettiam egualar nos meritos e qualidades a seus irmãos que tanto se haviam ennobrecido.

De Mouros estava livre Portugal; nem um pisava em seu solo que não vivesse em captiveiro: tentou ao rei e aos principes uma grande facção, atravessar os mares que separam a Africa da Europa, levar a guerra aos territorios e dominios em que Mouros se achavam, e expellil-os tambem daquellas regiões, como o haviam sido{7} de Portugal. Dito e feito. Ceuta, a mais rica e commerciante cidade de Marrocos, foi atacada e subjugada em 1415 pelas armas de D. João I: teve de arriar o crescente de Mahomet e ornar-se com a cruz santissima de Christo: e foi o Infante D. Henrique, seu principal vencedor, nomeado para governar a conquista verificada.

 

Teve então D. Henrique ensejo de aprender a lingua arabe, ler seus livros, estudar seus monumentos scientificos, ouvir seus sabios, seus cosmographos, e muito lucrou e aprendeu, porque eram ainda os Arabes o povo mais illustrado da epoca. Terminado seu governo e restituido á patria, um pensamento, um intuito se lhe fixou no espirito,—adeantar—estender os conhecimentos cosmographicos e geographicos—descobrir terras de que já haviam fallado os antigos Gregos e Romanos, e que então se não conheciam mais—devassar os segredos dos mares, opulentando com novos dominios sua patria—dilatar e propagar a religião christã, e desenvolver emfim o commercio com novas mercadorias e escambos.{8}

Na ponta meridional de Portugal ergue-se o Cabo de S. Vicente: descansam alli uns penedios açoutados pelos ventos, batidos de continuo pelas ondas dos mares, e que se prestavam a ser um ponto apropriado para observações, estudos scientificos, e pratica de navegação. Para esse sitio agreste recolheu-se o Infante e em Sagres estabeleceu moradia, e escola de cosmographos e mareantes. Attrahiu sabios Malhorquinos, Allemães, Italianos, Judeus, Arabes, Portuguezes. Dia e noite, aos gemidos e marulhar das vagas e aos furores das tempestades, estudavam-se livros e mappas, e perscrutavam-se os mysterios das estrellas. Tudo quanto escreveram os antigos, quanto sabiam os Arabes, quanto ensinavam os viajantes europeus, examinava-se, discutia-se, tirava-se a limpo. O Duque de Coimbra fizera-lhe presente de exemplares manuscriptos das viagens do Veneziano Marco Paulo, de Mandeville e de Conti, que fallavam das opulencias e grandezas das Indias. Chamava-se assim então todo o continente da Asia, inclusive a China denominada Cathay, e o Japão Cypango.{9}

Quasi que não passava a navegação de costeira; fugia-se aos altos mares; apenas a bussola introduzida pelos Arabes servia de instrumento nautico; consistiam os navios em náos, de cerca de 200 ou mais toneladas, para carregamentos de mercadorias particulares; em galés de guerra com tombadilhos á pôpa e prôa, espigões de ferro na prôa, vãos no centro para 40 a 50 remeiros, dous ou tres mastros para pequenas velas; em galeotas que se armavam tambem em guerra, mais pequenas; em caravellas e fustas, sem convez, e as maiores de cem toneladas, e ninguem ousava praticar viagens sinão com a terra sempre á vista. Os Venezianos, Genovezes, Pizanos, e Catalães iam buscar as mercancias indiaticas ao Egypto, á Syria, á Constantinopla, ao mar Negro, onde ellas chegavam em caravanas, provenientes pelo golpho Persico e pelo mar Vermelho; percorriam o Mediterraneo, dobravam as costas de Portugal e Hespanha, dirigiam-se á França, Inglaterra, Allemanha e até á Moscovia. Os Normandos, Bretões e Flamengos seguiam do norte para o sul encostados tambem e{10} sempre á terra, e penetravam no Mediterraneo. Os Arabes conheciam unicos a navegação do Indostão e da Africa oriental, onde largamente traficavam, trazendo do Egypto para a Mauritania os generos de que careciam.

É mister penetrar nestas miudezas para se comprehender a temeridade dos Portuguezes ao coalhar os mares com navegantes e descobridores de terras: hoje a navegação é facil, grandes os navios, movidos até pelo vapor, machinismos e construcções admiraveis, instrumentos nauticos perfeitos, conhecidos os caminhos talhados nos oceanos, e manifestas as posições dos astros: então eram tudo trevas, difficuldades, perigos, terrores.

Que fim tinham levado as ilhas da Atlantida e das Antilhas, de que fallaram Platão e Aristoteles? As terras que os Phenicios diziam ter conhecido, e que denominavam afortunadas? Onde estavam as ilhas das sete cidades e de S. Barandon, que se inscreviam nas cartas geographicas da epoca, confusa e differentemente? Por que se não chegaria ao mar tenebroso, como se intitulava o Atlantico{11} proximo ao equador, ás zonas torridas, que se pintavam inaccessiveis e inhabitaveis? Por que se não dobraria a Africa, que se pensava acabar á 10 gráos de latitude Norte, correndo então para o oriente á ajuntar-se ás Indias, conforme os dizeres dos Arabes, que de Marrocos por terra chegavam até quasi o Senegal?

Todas estas questões se propunham e ventilavam-se no areopago fundado em Sagres por D. Henrique de Vizeu. Plinio, Ptolomêo, Strabo, o Veneziano Marco Paulo, os Arabes Endrisi e Averrohes, eram os oraculos pelos seus livros; Jaime de Malhorca e Vasseca os desenhadores mais habilitados de cartas geographicas.

Convem aqui summariar as lendas que a respeito se espalhavam, e que, acreditadas não só pelo vulgo, como pelos espiritos cultos e sabios da epoca, espalhavam terrores de approximar-se ao sul da Mauritania.

Deixemos de parte as fabulas de Platão e Aristoteles quanto ás ilhas da Atlantida e Antilhas, posto que os mappas de 1400 as mencionem{12} ainda: como é curiosa a legenda da ilha das sete cidades, onde se recolheram sete bispos, que calçava de ouro as ruas, possuia palacios de marmore, asylara o ultimo rei godo-hespanhol Rodrigo, e dera eterna felicidade á Ennoch e Elias recolhidos á seu seio! Como encanta, a lenda de que a ilha de S. Brandão fôra visitada por um abbade escossez Barandon, acompanhado por São Maló, que resuscitou um gigante já enterrado, baptisou-o e annunciou-lhe a felicidade na outra vida? Sabeis o que resultou? O gigante, depois de quinze dias, quiz por força morrer e morreu de novo para alcançar a bemaventurança no Céo! Certo é que esta ilha figurava em todos os mappas dos seculos XV e XVI, nos proprios traçados ao depois por Colombo, e no globo attribuido á Behaim. Certo é ainda que no XVII e XVIII foi mandada procurar por navios hespanhóes, por ordem do seu governo, porque arrastados por illusões opticas os habitantes dos Açores teimavam em que era vista, bem perto delles, em certas epocas do anno.{13}

Resolveu-se D. Henrique a iniciar os descobrimentos, seguindo a costa Africana, no intuito de apoderar-se della. Custou-lhe espantosamente. Seu pai animava-o, mas não tinha dinheiro. Empregou o Principe a renda do ducado e a do mestrado de Christo que administrava. Marinheiros, pilotos, ninguem queria arriscar-se a ir além do Cabo Non, porque se espalhava que dahi em diante começava o mar tenebroso e as tradições que corriam aterrorisavam a todos. Com o emprego de inauditos esforços conseguiu o Infante que Zarco e Tristão Dias, em 1418, alongando-se pelo oceano, descobrissem as ilhas do Porto Santo e Madeira, e em 1431 Gonçalo Velho as dos Açores. Nada disso o adeantava todavia. O que elle procurava era a Africa, era o que havia além do Cabo Non. D'ahi fugiam-lhe os mareantes, ahi não se atreviam á ir os pilotos. Morrendo em 1433 D. João I, obteve D. Henrique que o novo rei, D. Duarte, mandasse expedição guerreira á Mauritania, tendo-o e a seu irmão D. Fernando á frente; explore-se a Africa por terra, já que o mar está assustando!{14}

Infeliz empreza! Os Portuguezes foram em Tanger derrotados. D. Fernando cahiu prisioneiro e morreu no meio de tormentos em Fez. D. Henrique volveu para o seu promontorio de Sagres em 1437. Não desanimado perseverou nas lutas com o oceano, cujos segredos anciava descobrir.

Mais lhe firmava no espirito os propositos de percorrer a costa Africana a ideia de encontrar o caminho para as Indias, e collocal-as em directa communicação com Portugal. Não diziam os mappas que a costa Africana parava aos 10 gráos? Não o incitava a leitura de Marco Paulo na descripção da Tartaria, Cypango e Cathay? Não havia chegado ao Indostão Alexandre com os seus Gregos, á Armenia os Romanos, á Jerusalem os Cruzados? Já que não podia ir por terra, combatendo Mouros, ou correndo a costa septentrional da Africa, por Argel, Tunis, Tripoli e Egypto, não era indispensavel proseguir em expedições maritimas? Não estaria reservado a Portugal e a elle o papel glorioso de iniciar e executar emprezas que espantassem o mundo?{15}

O povo murmurava, a nobreza zombava, era um louco na opinião de muitos, como são sempre considerados os genios que se adiantam além do seu seculo. Que lhe importava! Idéas firmadas em fundas convicções não se desfazem sinão diante de realidades demonstradas. Obteve que Gil Eannes chegasse ao Cabo Bojador, dobrasse-o, reconhecesse-o e voltasse a dar-lhe a boa nova; não era ainda o fim do mundo, mas ninguem lá fôra, salvo mouro ou arabe, e por terra.

Após o Cabo Bojador, descobriu Nuno Tristão, em 1443, o Cabo Branco, e em 1449, Cadamosto, o Cabo Verde e o Senegal, onde encontrou marfim, ouro e hordas de pretos, que conduziu para os Algarves, começando então o trafico de escravos Africanos na Europa. Dous papas mandam bullas de concessão de todas as terras além do Cabo Bojador, elogiando e preconisando de heroe o Principe. Os Pontifices Romanos reputavam-se então autorizados para distribuirem reinos e corôas.

Quantos erros geographicos se emendaram desde logo nos mappas? Quantos prejuizos populares se{16} desfizeram? Chegara-se no entanto ao gráo 20 e não apparecia o mar tenebroso cuja fama enchia á todos de pavor. Continuar, continuar, e o caminho das Indias ahi estava proximo e certo, não tardaria a Africa em terminar, e dobrada que fosse se chegaria ao reino do Preste-João, de quem tanto se fallava de outiva; avistar-se-hiam as terras das perolas, dos brilhantes, dos perfumes, dos tapetes, dos damascos, da pimenta, do cravo, das riquezas consideradas as maiores do mundo. Não se penetrara já na zona torrida, e não se descobrira que ella era habitavel?

Falleceu, infelizmente, no correr de 1460, D. Henrique, já nos fins de sua vida glorificado, endeosado pelos seus e admirado na Europa por causa das noticias das terras que tinha descortinado, e que se foram espalhando, apezar das difficuldades de communicações internacionaes naquella epoca.

Ao cessar a primeira metade do seculo XV tres acontecimentos verificaram-se, no entanto, na Europa: 1.º Constantinopla, a capital do imperio{17} grego christão, successora de Roma, cahira em poder dos turcos, que, derrotando os Arabes, se tinham apoderado de toda a Asia menor, e dahi passado para Europa, onde fundaram novo imperio, que á pouco e pouco avassallou a Grecia, a Bulgaria, a Roumania, a Servia e os estados do Danubio, e começou a ameaçar a Allemanha pela Hungria; 2.º Descobrira-se em Mayença a arte de imprimir, e os livros tenderam logo á baratear, as luzes á derramarem-se, e a civilisação á crescer; 3.º Hespanha esforçava-se por unificar-se, reunindo em um só reino Navarra, Aragão, Catalunha, Castellas, Galliza, Leão e Bascos; e França alcançara emfim expellir os inglezes do seu territorio, e procurava alargar-se até o Mediterraneo, e assenhorear-se da Borgonha e da Provença.

A esses trabalhos entregavam-se as nações europeas, emquanto que Portugal cuidava de navegações. Agora, mais que nunca, precisava-se de abrir caminho para as Indias pela Africa, porque os portos da Asia Menor, do mar Negro e de{18} Constantinopla, submettidos e acurvados pelos turcos de Mahomet, feixavam as communicações, restando apenas o Egypto que se conservara independente do jugo quer do Arabe já decahido e escravisado, quer do Turco, que sobre todos os mussulmanos se erguera, e apregoava-se o primeiro dos povos de crença Mahometana.

D. Affonso V de Portugal foi de novo guerrear na Mauritania, subjugou Arzila, Alcacer e Tanger. Por sua morte D. João II preferiu continuar as excursões maritimas de seu finado tio D. Henrique e approximar-se da Asia, dobrada a costa Africana: digno successor pela grandeza identica do pensamento, e mais poderoso porque era rei, e agora entrava a Corôa nas emprezas com força propria e sob direcção governativa.

Foi nesse tempo que chegou á Portugal Christovam Colombo, pelo anno de 1470, aventureiro audacioso, temerario, instruido em mathematicas e cosmographia, e ancioso de tomar parte nas emprezas portuguezas, em que já se empregavam muitos compatriotas seus, e de outras{19} nações europeas. Chamava Portugal e attrahia á si quantos aventureiros arrojados desejavam navegar e descobrir terras, porque era Portugal a unica nação que se devotava á tão proficuo serviço.

Abrira, portanto, Portugal as portas que escondiam os continentes, rasgara caminhos no seio dos mares, desenvolvia e aperfeiçoava as sciencias cosmographicas, geographicas, astronomicas, melhorava instrumentos de navegação, tornara-se o precursor de todo o movimento progressivo, que seguiu o universo durante o seculo XV.

 

Christovam Colombo teria então 35 annos, e sua vida, antes desta epoca, não está ainda hoje conhecida. Os autores que lhe escreveram a biographia, muitos foram elles, tanto hespanhoes como italianos e de outras nações, divergem, contradizem-se, por fórma que ao certo se não alcança a realidade.

Patenteava Christovam Colombo grandes talentos e muitos conhecimentos mathematicos, geographicos e cosmographicos; escrevia mappas e cartas, e tratou de empregar-se logo na marinha{20} portugueza, casando-se com a filha de um Perestelo, navegante habilissimo, gratificado pela Corôa com a donataria da ilha do Porto Santo. Foi com elle que aprendeu, estudou os roteiros, recebeu lições, e delle herdou escriptos e mappas importantes a respeito de navegações maritimas.

Colombo relacionou-se tambem com todos os marinheiros e pilotos que serviam em Portugal, fez com elles viagens diversas á Africa e aos Açores, e fixara residencia ordinaria na ilha da Madeira.

Dedicado ao estudo nautico, pesquizador de todos os factos que se passavam, engenhou logo empreza que lhe désse renome.

Era ambiciosissimo de gloria e, pois, cuidou de desenvolver a sua actividade, para o fim de adquiril-a.

Nessa epoca era abraçada por muitos sabios e cosmographos a ideia de que o mundo terrestre formava uma esfera ou globo.

Copernico, já como que tambem adivinhara, que, em torno do sol fixo, é que gyravam a terra e os demais planetas.{21}

Para que esta theoria fosse, porém, admittida precisava-se ainda que no seculo XVI os trabalhos de Galileu a demonstrassem cabalmente.

Prevalecia no seculo XV unicamente, e para os sabios só, o principio da redondeza do globo, formado de terra e aguas, e coberto por uma atmosphera, onde dominava a lei da gravitação, que arrastava ao centro todo e qualquer peso.

Christovam Colombo convenceu-se desta theoria, que com o andar dos tempos cada vez se lhe arraigou mais no espirito.

Com a leitura dos livros então existentes e dos mappas, bem que confusos e repletos de muitas falsidades e inexactidões, percebeu que se podia ir ás Indias directamente, seguindo da Europa para Oeste, e que este caminho era mais certo, curto e commodo que o de dobrar o Cabo das Tormentas, baptisado com o nome de Boa Esperança, por D. João II, na ponta sul da Africa.

Não tinha Marco Paulo collocado o Cathay ou China na costa, e bem assim as ilhas de Cypango ou Japão, de que fallara um seculo antes? Não{22} ficavam assim esses paizes fronteiros á Europa e á Africa Occidental?

As cartas e mappas de então apresentavam a Asia como mais extensa para o lado da Europa, e o globo menor do que é na realidade.

Os arabes, entendidos mestres de geographia e astronomia, adoptavam estas theorias erradas. Ellas, todavia, mais animavam, excitavam e firmavam a idéa de Colombo, que calculava não exceder a distancia do Atlantico de duas a tres mil milhas maritimas; tendo, além disto, ouvido em suas viagens aos Açores, á Madeira e ás Costas Africanas, contarem marinheiros e pilotos, que as vezes se encontravam madeiras e arvores lavradas, que na Europa não existiam; e que nos Açores haviam apparecido naufragados, cadaveres de dous homens de organisação physica diversa da Europa, cada vez mais robustecia-se seu intento de procurar as Indias, atravessando o Atlantico e seguindo para o Occidente.

Não era Colombo como navegante superior a alguns pilotos que desde D. Henrique trilhavam{23} arrojadamente os mares e commettiam grandes e façanhosas emprezas; não sobrepujava a um Gil Eannes e nem a um Bartholomeu Dias, quer na intrepidez, e quer na firmeza e tenacidade de animo.

Como sábio, não excedia tambem nem a Jayme de Malhorca, nem a Behaim, geographos eminentes da epoca e empregados em Portugal, e menos ainda ao Infante D. Henrique, cujos conhecimentos mathematicos conseguiram-lhe justa nomeada no mundo, e proporcionaram-lhe a felicidade de executar e fazer executar sublimes emprehendimentos.

Atirava-se, porém, Colombo á emprezas com uma certa allucinação, proveniente de profundissima convicção.

Imaginava-as por si espontaneamente e fazia-se seu proprio executor. É nisto que fundava a superioridade sobre seus contemporaneos.

Propoz-se então Colombo a D. João II para emprehender uma viagem directamente ás Indias sem que torneasse a Africa. Para que pensar em dobrar o Cabo da Boa Esperança? Não estavam{24} alli defronte de Portugal as Indias com a China e o Japão? Mais depressa e menos perigosamente se não chegaria lá?

Convocou D. João II a conselho seus mais reputados sabios. Entre elles figuravam dous judeus, mestre José e mestre Rodrigo, famosos cosmographos. Opinou o conselho que mais annos menos annos se dobraria a Africa, e se navegaria seguro para as Indias, e que assim continuasse El-Rei nos seus planos anteriores; que si não era sonho de Colombo a viagem directa ao Oeste, por desconhecida se não devia tentar, parecendo fructo da imaginação mais que da sciencia humana.

Indeferiu D. João II, portanto, a proposta de Colombo, que queria navios tripolados e garantias de honras e lucros para o caso de sahir-se bem da empreza.

Desesperado e já então viuvo porque lhe fallecera a mulher portugueza, abandonou Colombo a terra, á que servia. No correr do anno de 1485 ou já era 1486 seguiu viagem para Genova.{25}


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