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ASSASSINATO NA MANSÃO

(UM MISTÉRIO DE LACEY DOYLE — LIVRO UM)

FIONA GRACE

Fiona Grace

A nova autora Fiona Grace apresenta a série de MISTÉRIOS LACEY DOYLE, que inclui ASSASSINATO NA MANSÃO (Livro 1), MORTE E UM CÃO (Livro 2) e CRIME NO CAFÉ (Livro 3). Fiona adora ouvir a opinião de seus leitores, então, visite www.fionagraceauthor.com para ganhar ebooks de graça, saber as últimas novidades e manter contato.

Copyright © 201 por Fiona Grace. Todos os direitos reservados. Exceto como permitido pelo Ato de Direitos Autorais dos EUA, publicado em 1976, nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida em qualquer formato ou por qualquer meio, ou armazenada num banco de dados ou sistema de recuperação, sem permissão prévia da autora. Este eBook está licenciado apenas para uso pessoal. Este eBook não pode ser revendido ou doado a outras pesoas. Se você quiser compartilhar este eBook com outra pessoa, por favor, compre uma cópia adicional para cada indivíduo. Se você está lendo este livro sem tê-lo comprado, ou se não foi adquirido apenas para seu uso, por favor, devolva-o e compre seu próprio exemplar. Obrigado por respeitar o trabalho da autora. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações, lugares, eventos e incidentes são produto da imaginação da autora ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência. Foto da capa: Helen Hotson, todos os direitos reservados. Usada sob licença da Shutterstock.com.

LIVROS DE FIONA GRACE

MISTÉRIOS DE LACEY DOYLE

ASSASSINATO NA MANSÃO (Livro 1)

MORTE E UM CÃO (Livro 2)

CRIME NO CAFÉ (Livro 3)

ÍNDICE

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO CATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

EPÍLOGO

CAPÍTULO UM

Sem culpa.

Era o que estava escrito nos papéis do divórcio, em tinta preta e negrito, gritante contra a brancura do papel.

Sem culpa.

Lacey suspirou enquanto olhava para os documentos. O inócuo envelope de papel pardo acabara de ser entregue por um adolescente com espinhas no rosto e atitude blasé, como se estivesse entregando uma pizza. E embora Lacey soubesse imediatamente o motivo pelo qual estava recebendo uma carta pelo correio, ela não sentiu nada no momento. Foi só depois que se sentou pesadamente no sofá da sala — onde o cappuccino que ela havia abandonado ao ouvir a campainha estava na mesa de café, ainda expelindo pequenos vórtices de vapor — e retirou os documentos do envelope, que ela realmente sentiu o impacto.

Eram os documentos do divórcio.

Divórcio.

Sua reação foi gritar e jogá-los no chão, como se ela tivesse aracnofobia e tivesse acabado de receber uma tarântula viva.

E agora eles jaziam ali, espalhados pelo tapete estiloso e extremamente caro, que ela ganhou de presente de sua chefe, Saskia, na empresa de design de interiores onde trabalhava. As palavras David Bishop versus Lacey Bishop a encararam. A partir da massa sem sentido de letras, as palavras começaram a se formar diante de seus olhos: dissolução do casamento, diferenças irreconciliáveis, sem culpa...

Ela pegou os papéis timidamente.

Claro, aquilo não era uma surpresa. Afinal, David terminou o casamento de catorze anos com a exclamação: "Meu advogado vai entrar em contato com você!" Mas isso ainda não havia preparado Lacey para as consequências emocionais de realmente estar de posse dos documentos. De sentir seu peso, solidez e ver aquele texto horrível, ousado e preto declarando impecabilidade.

Era como Nova York fazia as coisas — divórcios sem culpa dão menos trabalho, certo? —, mas "sem culpa" parecia um pouco demais, no que dizia respeito a Lacey. De qualquer forma, a culpa, segundo David, era toda dela. Trinta e nove anos e nenhum bebê. Nem mesmo o menor sinal de uma ninhada. Nenhuma onda hormonal ao ver os recém-nascidos de seus amigos — e vinham aparecendo muitos, se materializado em um fluxo interminável de pequenas coisinhas boas de apertar que não faziam precisamente nada se agitar dentro dela.

"Seu tempo está acabando", explicou David enquanto tomava uma taça de merlot uma noite.

Claro, o que ele realmente quis dizer foi: "Nosso casamento é uma bomba-relógio".

Lacey suspirou profundamente. Ela não tinha ideia, quando se casou com ele aos vinte e cinco anos, em um turbilhão de confetes brancos e bolhas de champanhe, que priorizar sua carreira sobre a maternidade se voltaria contra ela tão espetacularmente.

Sem culpa. Ha!

Ela foi procurar uma caneta — sentindo, de repente, como se seus membros fossem feitos de aço — e encontrou uma no pote de chaves. Pelo menos as coisas estavam organizadas agora. Não há mais David correndo em busca de sapatos perdidos, chaves perdidas, carteiras perdidas, óculos de sol perdidos. Ultimamente, tudo estava onde ela havia deixado. Mas, naquele momento, isso não servia muito como prêmio de consolação.

Ela voltou ao sofá, caneta na mão, e posicionou-a sobre a linha pontilhada na qual deveria assinar. Mas, em vez de pousá-la no papel, Lacey parou e a caneta ficou ali, pairando apenas um milímetro acima da linha, como se houvesse algum tipo de barreira invisível entre a ponta esferográfica e o papel. As palavras "cláusula de apoio conjugal" chamaram sua atenção.

Franzindo o cenho, Lacey procurou a página apropriada e examinou a cláusula. Por ser a pessoa com o salário mais alto do casal e a única proprietária do apartamento em Upper Eastside em que ela estava, Lacey teria que pagar a David uma "quantia fixa" por "não mais que dois anos", para que ele "organizasse" sua nova vida de uma maneira "consistente com a que ele tinha antes".

Lacey não pôde deixar de dar uma risada triste. Que ironia que David estivesse lucrando com a carreira dela, exatamente o que acabara com o casamento deles! Claro, ele não pensava assim. David chamaria isso de "recompensa". Ele sempre fazia questão de equilíbrio e justiça. Mas Lacey sabia o que realmente era esse dinheiro. Retribuição. Vingança. Retaliação.

E eu tomo naquele lugar duas vezes, ela pensou.

De repente, a visão de Lacey ficou embaçada e uma mancha apareceu em seu sobrenome, fazendo a tinta distorcer e o papel amassar. Uma lágrima intrometida caiu de seus olhos. Ela enxugou o olho inconveniente agressivamente com as costas da mão.

Vou ter que mudar meu nome, ela pensou enquanto olhava para a palavra agora deformada. Voltar ao meu nome de solteira.

Lacey Fay Bishop não existia mais. Havia sido apagado. Esse nome pertencia à esposa de David Bishop e, uma vez que ela assinasse na linha pontilhada, não seria mais aquela mulher. Ela se tornaria Lacey Fay Doyle mais uma vez, uma garota na qual ela não habitava desde os vinte e poucos anos e da qual ela nem se lembrava mais.

Mas o nome Doyle significava ainda menos para Lacey do que o que ela tinha pego emprestado de David nos últimos catorze anos. Seu pai foi embora quando ela tinha sete anos, imediatamente após férias familiares encantadoras na idílica cidade litorânea de Wilfordshire, na Inglaterra. Ela nunca mais o viu. Estava lá num dia, tomando sorvete em uma praia escarpada, deserta e varrida pelo vento, e sumido no dia seguinte.

E agora ela era tão fracassada quanto seus pais! Depois de todas as lágrimas de criança que ela derramara pelo pai desaparecido, de todos os insultos raivosos durante a adolescência que ela jogara sobre a mãe, ela simplesmente repetiu os mesmos erros! Falhara no casamento, exatamente como eles. A única diferença, concluiu Lacey, era que seu fracasso não apresentava danos colaterais. Seu divórcio não deixaria duas filhas perturbadas e com sequelas.

Ela olhou novamente para aquela maldita linha, que exigia ser assinada. Mas, ainda assim, Lacey hesitou. Sua mente parecia presa em seu novo nome.

Talvez eu simplesmente deixe pra lá meu sobrenome, pensou ela, ironicamente. Eu poderia ser Lacey Fay, como algum tipo de estrela pop. Ela sentiu uma sensação borbulhante de histeria subindo em seu peito. Mas por que parar aí? Eu poderia mudar meu nome para qualquer coisa que quisesse por alguns dólares. Eu poderia ser... — ela olhou ao redor da sala em busca de inspiração, fixando o olhar na caneca de café ainda intocada na mesa diante dela — Lacey Fay Cappuccino. Por que não? Princesa Lacey Fay Cappuccino!

Ela caiu na gargalhada, jogando a cabeça para trás com seus cachos escuros sedosos, rindo alto para o teto. Mas o momento durou pouco, e as risadas pararam assim que começaram. O silêncio caiu pesado no apartamento vazio.

Rapidamente, Lacey rabiscou sua assinatura nos papéis do divórcio. Estava feito.

Ela tomou um gole de café. Estava frio.

*

Como sempre, Lacey embarcou no metrô movimentado, em direção ao escritório onde trabalhava como designer de interiores. Salto alto, bolsa, sem contato visual, Lacey era como qualquer outro passageiro. Exceto, é claro, que não era. Pois entre o meio milhão de pessoas que estavam andando no metrô de Nova York na hora do rush matinal, ela foi a única a receber documentos de divórcio naquela manhã — ou pelo menos era assim que ela se sentia. Ela era a mais nova integrante do Triste Clube das Divorciadas.

Lacey podia sentir as lágrimas chegando. Ela balançou a cabeça e forçou sua mente a pensar em coisas felizes. Foi direto para Wilfordshire, para aquela praia pacífica e selvagem. Numa repentina e vívida recordação, Lacey se lembrou do oceano e do ar salgado. Lembrou-se do caminhão de sorvete com sua música sinistra e rimada e das batatas fritas quentes — chips, é assim que se chamam por lá, seu pai disse — que vinham numa pequena vasilha de isopor com um garfinho de madeira e todas as gaivotas que tentavam roubá-las no segundo em que ela se distraía. Ela pensou em seus pais, em seus rostos sorridentes naquele feriado.

Tudo aquilo havia sido uma mentira? Ela tinha apenas sete anos, Naomi quatro, nem tinham idade suficiente para perceber as nuances das emoções dos adultos. Seus pais evidentemente eram bons em esconder as coisas, porque estavam perfeitamente bem até que, de um dia para o outro, tudo foi devastado.

Eles realmente pareciam felizes naquela época, pensou Lacey, mas, para o mundo exterior, ela e David provavelmente pareciam ter tudo também. E eles tinham. Um belo apartamento. Empregos bem remunerados e satisfatórios. Boa saúde. Só não aqueles malditos bebês que haviam se tornado subitamente tão importantes para David. De fato, tinha sido quase tão abrupto quanto o sumiço de seu pai. Talvez fosse uma coisa masculina. Um momento repentino de eureka, no qual não havia como voltar atrás depois que a decisão foi tomada, e que tocava fogo em tudo o que estava no caminho porque, por que deixar algo intacto?

Lacey saiu do metrô e se juntou à multidão de pessoas que caminhavam pelas ruas da cidade. Nova York foi seu lar a vida inteira. Mas agora parecia sufocante. Ela sempre gostou da agitação, sem mencionar os negócios. Nova York era a sua cara. Mas agora ela se sentia dominada pelo desejo de uma mudança radical. De um recomeço.

Enquanto andava pelos últimos quarteirões até o escritório, ela pegou o celular da bolsa e ligou para Naomi. Sua irmã atendeu no primeiro toque.

"Tudo bem, querida?"

Naomi estava esperando ansiosamente pelos papéis do divórcio, daí a resposta imediata, apesar de ser tão cedo de manhã. Mas Lacey não queria falar sobre o divórcio.

"Você se lembra de Wilfordshire?"

"Hã?"

Naomi parecia sonolenta. Como mãe solteira de Frankie, o menino de sete anos mais indisciplinado do mundo, era de se esperar.

"Wilfordshire. As últimas férias que tivemos com mamãe e papai juntos".

Houve um momento de silêncio.

"Por que você está me perguntando isso?"

Como a mãe de Lacey, Naomi fez um voto de silêncio em relação a todas as coisas relacionadas ao pai. Ela era a mais nova quando ele partiu e proclamou que não tinha nenhuma lembrança dele, então por que desperdiçar energia se preocupando com sua ausência? Mas, depois de muitas doses numa sexta à noite, ela confessou se lembrar vividamente dele, sonhar com ele muitas vezes e ter dedicado três anos inteiros a sessões semanais de terapia, culpando furiosamente o seu abandono pelo fracasso de todos os relacionamentos adultos dela. Naomi saltou no carrossel de relacionamentos apaixonados e tumultuosos aos quatorze anos de idade e nunca mais conseguiu sair. A vida amorosa da irmã deixava Lacey tonta.

"Eles chegaram. Os papéis".

"Ah, querida. Eu sinto muito. Você está... FRANKIE, LARGA ISSO EM NOME DE JESUS!"

Lacey estremeceu, afastando o celular da orelha enquanto Naomi rosnava uma ameaça de morte para Frankie, se ele continuasse fazendo fosse qual fosse a atividade que não deveria.

"Desculpe, querida", disse Naomi, com sua voz voltando ao volume normal. "Você está bem?"

"Eu estou bem". Lacey fez uma pausa. "Não, na verdade, não estou. Estou me sentindo impulsiva. Numa escala de um a dez, quão louco seria faltar ao emprego e pegar o próximo voo para a Inglaterra?"

"Err... que tal onze? Vão demitir você".

"Vou pedir um tempo de folga".

Lacey praticamente podia ouvir Naomi revirando os olhos.

"Saskia? Sério? Você acha que ela vai te dar um dia de folga? A mulher que fez você trabalhar no Natal no ano passado?"

Preocupada, Lacey torceu os lábios, um gesto que herdou do pai, de acordo com sua mãe. "Eu preciso fazer algo, Naomi. Sinto-me sufocada. Ela puxou a gola alta da sua blusa, que de repente parecia uma forca.

"Claro que se sente. Ninguém te culpa por isso. Só não faça nada precipitado. Quero dizer, você escolheu sua carreira em vez de David. Não a ponha em risco".

Lacey fez uma pausa, unindo as sobrancelhas, confusa. Era assim que Naomi interpretava a situação?

"Não escolhi minha carreira ao invés dele. Foi ele quem me deu um ultimato".

"Interprete como quiser, Lace, mas só... FRANKIE! FRANKIE, EU TÔ TE DIZENDO..."

Lacey chegou no escritório e suspirou. "Tchau, Naomi".

Ela encerrou a ligação e olhou para o alto prédio de tijolos no qual dedicara quinze anos de sua vida. Quinze anos para o trabalho. Quatorze para David. Certamente estava na hora de se dar alguma coisa? Apenas umas pequenas férias. Uma viagem pela estrada da memória. Uma semana. Quinze dias. Um mês, no máximo.

Sentindo uma determinação repentina, Lacey marchou para dentro do prédio. Ela encontrou Saskia em pé diante de um computador, rosnando ordens para um dos estagiários de aparência aterrorizada. Antes que sua chefe tivesse a chance de dizer-lhe uma palavra, Lacey levantou a mão para detê-la.

"Vou tirar um tempo de folga", falou para a chefe.

Ela só teve tempo de ver Saskia franzir a testa antes de voltar marchando pelo caminho de onde viera. Cinco minutos depois, Lacey estava ao telefone reservando um voo para a Inglaterra.

CAPÍTULO DOIS

"Você está oficialmente doida, mana".

"Querida, você está agindo de forma irracional".

"A titia Lacey está bem?"

As palavras de Naomi, de sua mãe e de Frankie ecoavam na mente de Lacey enquanto ela descia do avião para a pista do aeroporto de Heathrow. Talvez ela estivesse louca, embarcando no primeiro voo do aeroporto JFK, passando sete horas em um avião com nada além de bolsa, pensamentos e uma sacola cheia de roupas e produtos de higiene pessoal que ela comprou nas lojas do terminal aéreo. Mas dar as costas para Saskia, Nova York e David tinha sido liberador. Ela até se sentia mais jovem. Despreocupada. Aventureira. Valente. Na verdade, até a lembrou da Lacey Doyle que ela fora a.D. (antes de David).

Mas dar a notícia para sua família de que ela estava indo para a Inglaterra sem aviso prévio — pelo viva-voz, aliás — tinha sido menos emocionante, pois ninguém parecia possuir um filtro, e os três compartilhavam o mesmo mau hábito de expressar em voz alta tudo o que lhes passava na cabeça.

"E se você for demitida?" a mãe choramingou.

"Ah, ela certamente será demitida", Naomi concordou.

"A tia Lacey está tendo um colapso?" perguntou Frankie.

Lacey podia imaginar os três sentados ao redor de uma mesa, fazendo o possível para cortar sua onda. Mas é claro que essa não era a realidade da situação. Como seus entes mais próximos e queridos, era o trabalho deles expor as duras verdades para ela. Nesta nova era desconhecida, d.D. (depois de David), quem mais o faria?

Lacey atravessou o saguão, seguindo o resto dos passageiros de olhos inchados. A famosa garoa inglesa pairava no ar. E olhe que já era primavera. Com a umidade frisando seus cabelos, Lacey finalmente teve uma pausa para pensar. Mas não havia como voltar agora, não depois de um voo de sete horas e várias centenas de dólares dragados de sua conta bancária.

O terminal era um enorme edifício parecido com uma estufa, todo em aço e elegante vidro azul, coberto com um telhado curvo de última geração. Lacey entrou no salão de azulejos brilhantes, decorado com murais cubistas patrocinados por uma entidade de nome sofisticado — British Building Society —, e entrou na fila para o controle de passaporte. Quando chegou a vez dela, foi atendida por uma mulher loira, carrancuda, com sobrancelhas negras, desenhadas a lápis num traço espesso. Lacey entregou-lhe o passaporte.

"Motivo da visita? Negócios ou lazer?"

O sotaque dela era áspero, bem diferente dos atores britânicos de fala mansa que encantavam Lacey em seus talk-shows favoritos à noite.

"Eu estou de férias".

"Você não tem passagem de volta".

Levou um tempo para o cérebro de Lacey descobrir o que a mulher estava realmente dizendo, devido à sua gramática direta demais. "São férias com o fim em aberto".

A guarda ergueu suas grandes sobrancelhas negras e sua carranca se transformou em suspeita. "Você precisa de um visto, se planeja trabalhar".

Lacey balançou a cabeça. "Não. A última coisa que quero fazer aqui é trabalhar. Acabei de me divorciar. Preciso de um pouco de tempo e espaço para clarear a cabeça, tomar sorvete e assistir a filmes ruins".

Os traços da mulher se suavizaram instantaneamente, mostrando empatia, dando a Lacey a impressão distinta de que ela também fazia parte do Triste Clube das Divorciadas.

Ela devolveu o passaporte a Lacey. "Aproveite sua estadia. E queixo para cima, ok?"

Lacey engoliu o pequeno nó que se formara em sua garganta, agradeceu e seguiu para o desembarque. Lá, vários grupos de pessoas aguardavam a chegada de seus entes queridos. Alguns estavam segurando balões, outros, flores. Um grupo de crianças muito loiras segurava uma placa que dizia: "Bem-vinda de volta, mamãe! Sentimos saudades!"

É claro que não havia ninguém esperando por Lacey e, quando ela atravessou o saguão movimentado em direção à saída, pensou em como nunca mais seria recebida por David em um aeroporto. Se ao menos ela soubesse que quando retornou daquela viagem de negócios — para comprar vasos antigos em Milão — seria a última vez que David a surpreenderia no aeroporto com um sorriso no rosto e um buquê de margaridas coloridas nos braços... Ela teria saboreado mais o momento.

Do lado de fora, Lacey chamou um táxi. Era um carro antigo preto, modelo hackney, cuja visão imediatamente lhe deu uma pontada de nostalgia. Ela, Naomi e seus pais haviam andado num táxi preto vários anos atrás, durante aquelas fatídicas e finais férias em família.

"Para onde quer ir?" perguntou o motorista atarracado quando Lacey deslizou no banco de trás.

"Wilfordshire".

Houve um momento de silêncio. Então, o motorista se virou em seu assento para encará-la, com uma carranca profunda e o cenho franzido. "Você sabe que são duas horas de carro até lá?"

Lacey piscou, sem saber o que ele estava tentando comunicar.

"Tudo bem", disse ela, com um pequeno dar de ombros.

Ele parecia ainda mais perplexo. "Você é uma ianque, não é? Bem, não sei o quanto está acostumada a gastar com passagens por lá, mas deste lado da lagoa uma viagem de duas horas custará uma nota".

O jeito abrupto dele pegou Lacey de surpresa, não apenas porque não combinava com a imagem em sua mente de um simpático taxista de Londres, mas por causa da sugestão velada de que ela não podia pagar uma viagem como aquela. Lacey se perguntou se isso tinha algo a ver com ela ser uma mulher viajando sozinha. Ninguém nunca questionou David quando faziam longas viagens de táxi juntos.

"Eu posso pagar", ela assegurou ao taxista, com um tom um pouco gelado.

O motorista se voltou para a frente e pressionou o botão Iniciar no taxímetro. Ele apitou e fez surgir o símbolo da libra em verde, cuja visão provocou outra onda de nostalgia em Lacey.

"Já que você pode", disse ele, se afastando do meio-fio.

Isso é o que chamo de hospitalidade britânica, pensou Lacey.

*

Eles chegaram em Wilfordshire, como prometido, duas horas depois, com Lacey amargando "duzentos e cinquenta pratas" a menos. Mas a tarifa salgada — e o taxista pouco amigável — se tornou insignificante no momento em que Lacey saiu do veículo e respirou profundamente aquele ar fresco do litoral. O cheiro era exatamente como ela se lembrava.

Sempre lhe chamou atenção o modo como cheiros e gostos podiam evocar lembranças tão fortes — e agora não foi diferente. O ar marinho causou uma súbita onda de prazer espontâneo dentro dela, algo que não sentia desde antes de seu pai ir embora. Foi tão forte que ela quase caiu. A ansiedade provocada pela reação de sua família em relação à viagem simplesmente desapareceu. Lacey estava exatamente onde precisava estar.

Ela desceu a rua principal. A garoa que cercava o aeroporto de Heathrow não existia ali, e os últimos raios do pôr do sol banhavam tudo em uma luz dourada, fazendo com que o lugar parecesse mágico. Era exatamente como ela se lembrava — duas fileiras paralelas de antigos chalés de pedra, construídos bem rente às calçadas de paralelepípedos, com as bay windows originais de vidro se sobressaindo nas ruas. Nenhuma das lojas se modernizara desde a última vez em que ela esteve na cidade. De fato, todas ainda tinham o que pareciam ser suas placas de madeira originais balançando acima da entrada, e cada loja era única, vendendo de tudo, desde roupas infantis a miudezas, pães e bolos e café orgânico de pequenos produtores. Havia até uma "loja de doces" à moda antiga, cheia de grandes potes de vidro com doces coloridos, onde tudo podia ser comprado individualmente por "um centavo".

Era abril, e a cidade estava decorada com bandeirolas coloridas para celebrar a Páscoa, amarradas entre as lojas, num zigue-zague cruzando o céu. E havia muitas pessoas na rua — largando do trabalho, presumiu Lacey — sentadas nas mesas ao ar livre de bares, em bancos de piquenique, bebendo canecas de cerveja, ou do lado de fora de cafés, nas mesas de bistrô, comendo sobremesas. Todos pareciam estar de bom humor, e sua conversa alegre criava uma atmosfera reconfortante, como uma música de fundo.

Sentindo uma onda calmante de certeza, Lacey pegou o celular e tirou uma foto da rua principal. Com a faixa prateada do mar brilhando no horizonte e o lindo céu listrado de rosa, a cena parecia um cartão-postal, então ela a compartilhou no grupo Garotas da Família Doyle. Naomi havia escolhido o nome, para grande desgosto de Lacey na época.

Está exatamente como eu me lembro, ela escreveu embaixo da foto perfeita.

Um momento depois, seu telefone emitiu um bipe. Naomi respondeu.

Parece que você foi parar no Beco Diagonal por acidente, mana.

Lacey suspirou. Era uma resposta tipicamente sarcástica de sua irmã mais nova e ela deveria ter esperado. Porque é claro que Naomi não podia apenas ficar feliz por ela ou ter orgulho do modo como assumira o comando de sua própria vida.

Você usou um filtro? foi a resposta da mãe, um momento depois.

Lacey revirou os olhos e guardou o celular. Determinada a não deixar ninguém desanimá-la, ela respirou fundo, calmamente. A diferença em comparação com o ar poluído de Nova York que ela estava respirando mais cedo naquela manhã era realmente impressionante.

Ela continuou ao longo da rua, com os saltos-altos clicando-clicando-clicando contra os paralelepípedos. Seu próximo objetivo era encontrar um quarto de hotel para o número ilimitado de noites em que ficaria aqui. Ela parou do lado de fora da primeira pousada que encontrou, The Shire, mas viu que o letreiro na janela havia sido virado para o lado em que se lia "Não há vagas". Sem problemas. A rua principal era longa e, se não me falha a memória, pensou Lacey, haveria muito mais lugares para tentar.

A próxima pousada, Laurel’s, era pintada em um tom rosa algodão-doce e sua placa proclamava: "Totalmente ocupada". Palavras diferentes, mas o mesmo sentimento. Só que desta vez, provocou uma centelha de pânico no peito de Lacey.

Ela afastou esse pavor à força. Era apenas o verme que sua família havia colocado em seu ouvido. Não havia necessidade de se preocupar. Ela encontraria um lugar em breve.

Então, continuou. Entre uma joalheria e uma livraria, o The Seaside Hotel estava lotado e, depois da loja de suprimentos para camping e do salão de beleza, a pousada Carol's B'n'B também não tinha vagas. Continuou assim até Lacey chegar ao fim da rua.

Agora o pânico realmente tomou conta. Como ela tinha sido tão tola a ponto de vir aqui sem nada preparado? Toda a sua carreira envolvia organizar coisas, mas ela não conseguiu organizar as próprias férias! Não estava com nenhum de seus pertences e agora também não tinha um quarto. Teria que voltar por onde tinha vindo, pagar mais "duzentas e cinquenta pratas" por um táxi de volta a Heathrow e entrar no próximo voo para casa? Não admira que David tenha incluído uma cláusula de apoio financeiro conjugal — não dava para confiar nela quando o assunto era dinheiro!

Enquanto a mente de Lacey rodopiava por causa da ansiedade, ela se virou, como se, ao olhar impotente para o caminho por onde tinha vindo, pudesse fazer surgir magicamente outra pousada do nada. Foi só então que percebeu que o último prédio de esquina diante dela era uma estalagem. A Coach House.

Sentindo-se tola, Lacey pigarreou e recuperou os sentidos. Ela entrou.

O interior era de um típico pub, com grandes mesas de madeira, um quadro-negro com o cardápio daquela noite escrito com giz branco em letra cursiva e um fliperama no canto com luzes berrantes. Ela foi até o bar, onde as prateleiras de vidro estavam cheias de garrafas de vinho e pendia uma fileira de dispensers de vidro, cheios de uma variedade de bebidas alcoólicas de cores diferentes. Era tudo muito singular. Havia até um velho bêbado cochilando no bar, usando os braços como travesseiro.

A garçonete era uma garota magra, com cabelos loiros claros amontoados em um coque bagunçado no alto da cabeça. Ela parecia jovem demais para trabalhar em um bar. Lacey decidiu que era porque a idade mínima para beber na Inglaterra era menor, e não pelo fato de que, quanto mais velha ela ficava, mais todo mundo parecia ter cara de bebê.

"O que você vai querer?" perguntou a garçonete.

"Um quarto", disse Lacey. "E uma taça de prosecco".

Ela sentia vontade de comemorar.

Mas a garçonete balançou a cabeça. "Todos os quartos estão reservados para a Páscoa". Ela falou com um sorriso tão grande que Lacey podia ver o chiclete que estava mastigando. "A cidade inteira está. É a época de férias escolares e muita gente gosta de trazer seus filhos para Wilfordshire. Não haverá vaga por pelo menos quinze dias". Ela fez uma pausa. "Apenas um prosecco, então?"

Lacey agarrou o balcão para se firmar. Seu estômago revirou. Agora ela realmente se sentia a mulher mais idiota do mundo. Não é de admirar que David a tenha deixado. Ela era uma bagunça total. Uma coitada. Ali estava, fingindo ser uma adulta independente no exterior, quando na realidade não conseguia nem um quarto de hotel para si mesma.

Nesse momento, Lacey notou uma figura em sua visão periférica. Ela se virou e viu um homem vindo em sua direção. Ele devia ter uns sessenta e poucos anos, usava uma camisa de algodão xadrez por dentro de uma calça jeans azul, óculos de sol empoleirados na cabeça careca e um coldre de celular no quadril.

"Eu ouvi você dizer que está procurando um lugar para ficar?" ele perguntou.

Lacey estava prestes a dizer não — ela podia estar desesperada, mas 'se arrumar' com um homem com o dobro da sua idade que a abordara em um bar era um pouco Naomi demais para o gosto dela. Mas o homem esclareceu: "Porque eu tenho chalés para alugar".

"Ah?" ela respondeu, surpresa.

O homem assentiu e tirou um pequeno cartão de visita do bolso do jeans. Os olhos de Lacey o examinaram.

Aconchegantes, rústicos e charmosos chalés de Ivan Parry. Ideal para toda a família.

"Estou com todos reservados, como Brenda disse", continuou Ivan, indicando a garçonete com um movimento da cabeça. "Além de um, que acabei de comprar num leilão. Ainda não está pronto para ser alugado, mas posso mostrar a você, se estiver realmente precisando. Posso cobrar a diária com desconto, pois não tem muito conforto... Só para ajudar você até que as pousadas tenham vaga novamente".

Age restriction:
0+
Release date on Litres:
15 April 2020
Volume:
262 p. 4 illustrations
ISBN:
9781094305165
Download format:
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