Alvos a Abater

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From the series: Os Primórdios Riley Paige #1
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CAPÍTULO CINCO

Na manhã seguinte, Riley compareceu no auditório da universidade juntamente com outros alunos de aspeto sombrio. Apesar da disposição geral no campus ser péssima, Riley interrogou-se se toda a gente ali se sentia tão mal como ela. Pareceu-lhe que alguns estavam mais aborrecidos do que tristes. Outros pareciam nervosos, como se temessem cada movimento à sua volta.

Como é que se supera uma coisa destas? Interrogou-se.

Mas é claro que nem toda a gente era próxima de Rhea. Nem toda a gente a conhecia. Ficariam certamente horrorizados com a ideia de um homicídio ocorrido no campus, mas para muitos não seria um acontecimento com uma carga pessoal.

Mas era pessoal para Riley. Ela não conseguia libertar-se do horror que sentira ao ver…

Nem lhe ocorriam palavras para descrever o que vira. Ainda não conseguia pensar na amiga como um cadáver, apesar do que vira a noite passada.

A reunião daquele dia parecia completamente desligada do que acontecera. Também se estava a arrastar há imenso tempo, fazendo-a sentir-se ainda pior.

O chefe Hintz acabara de dar uma palestra severa sobre segurança no campus, prometendo que o assassino seria apanhado muito em breve, e agora o Reitor Trusler prosseguia falando de como as coisas regressariam à normalidade ali na Universidade Lanton.

Boa sorte, Pensou Riley.

Trusler disse que naquele dia não haveriam aulas, mas que retomariam a atividade normal na segunda-feira. Disse que compreendia se alguns alunos não se sentissem preparados para voltar às aulas de imediato e também se alguns deles quisessem ir para casa para estar com as famílias durante alguns dias, e os orientadores escolares estavam prontos a ajudar toda a gente a lidar com aquele horrível trauma, e… e… e…

Riley conteve um bocejo enquanto o reitor continuava a falar e a não dizer nada de útil, pelo menos para ela. Mal dormira a noite passada. Estava a entrar no sono quando a equipa do médico-legista chegou. Então ela foi para a porta observar num horror silencioso a equipa a levar uma forma coberta por um lençol numa maca.

Com certeza, Pensou, que não pode ser alguém que estava a rir e a dançar há apenas algumas horas atrás. Não pode ser a Rhea.

Depois daquilo, Riley não dormira. Não conseguia evitar invejar Trudy que parecia ter dormido a noite toda – provavelmente, calculou Riley, devido ao álcool que consumira durante a noite.

Naquela manhã, a assistente residente anunciara pelo intercomunicador aquela reunião. A Trudy ainda estava na cama quando Riley saiu do quarto. Quando Riley chegou à reunião, não vira Trudy no auditório.

Riley olhou à sua volta, mas não a viu. Talvez ainda estivesse na cama.

Não está a perder grande coisa, Pensou Riley.

Também não viu a companheira de quarto de Rhea, Heather, em lado nenhum. Mas Gina e Cassie estavam sentadas umas filas à sua frente. Tinham passado por Riley a caminho da reunião – aparentemente ainda zangadas com ela por ter dado os seus nomes à polícia.

Na noite anterior, Riley percebera porque é que elas se sentiam assim, mas agora já parecia criancice. Era também bastante poderoso. Perguntava-se se seria possível salvar aquelas amizades.

Naquele momento, aquela “normalidade” de o reitor falava parecia durar uma eternidade.

Por fim, a reunião terminou. Enquanto os alunos saíam do edifício, já os jornalistas esperavam no exterior. De imediato abordaram Gina e Cassie, fazendo-lhes todo o tipo de perguntas. Riley calculou que tivessem descoberto quem estava com Rhea na noite en que fora assassinada.

Se fosse esse o caso, também deveriam saber que Riley estivera com ela. Mas até àquele momento, não tinham dado por ela. Talvez fosse uma sorte que a Gina e a Cassie tivessem repelido Riley naquela manhã. De outra forma, ela estaria ali com elas a tentar responder a perguntas impossíveis.

Riley apressou o passo para evitar os jornalistas, seguindo o seu caminho entre os outros alunos. Ao caminhar, conseguia ouvir os jornalistas a interpelarem Gina e Cassie vezes sem conta com a mesma pergunta…

“Como é que se sentem?”

Riley sentiu invadir-se pela fúria.

Mas que raio de pergunta era aquela? Questionou-se.

O que é que esperavam que Gina e Cassie respondessem?

Riley não fazia ideia do que ela própria diria – exceto talvez para que a deixassem em paz.

Ainda estava repleta de sentimentos confusos e terríveis – choque, descrença, horror e muito mais. O pior sentimento de todos era uma espécie de alívio culpado por não ter tido o mesmo destino de Rhea.

Como é que ela ou as amigas podiam verbalizar isso?

E com que direito é que lhes perguntavam isso?

Riley foi até ao bar na asociação de estudantes. Ainda não tinha tomado o pequeno-almoço e estava a ficar com fome. No buffet escolheu bacon e ovos, e serviu-se de sumo de laranja e café. Então olhou à sua volta para encontrar um lugar para se sentar.

Ao fazê-lo viu Trudy que estava sentada sozinha numa mesa, afastada dos outros a comer o seu pequeno-almoço.

Riley engoliu em seco.

Atrever-se-ia a juntar-se a Trudy à mesa?

Será que a Trudy lhe falaria?

Não tinham trocado uma única palavra desde a noite passada quando Trudy dissera a Riley para dormir.

Riley reuniu a sua coragem e dirigiu-se à mesa onde se encontrava Trudy. Sem dizer nada, colocou o seu tabuleiro na mesa e sentou-se ao lado da companheira de quarto.

Durante alguns instantes, Trudy manteve a cabeça baixa, como se não notasse a presença de Riley.

Por fim, Sem olhar para Riley, Trudy disse, “Decidi não ir à reunião. Como é que correu?”

“Foi uma treta,” Disse Riley. “Eu também não devia ter ido.”

Pensou durante um momento, depois acrescentou, “A Heather também não estava lá.”

“Não,” Disse Trudy. “Ouvi dizer que os pais dela vieram buscá-la esta manhã. Acho que ninguém sabe quando é que ela volta – ou se volta.”

Trudy finalmente olhou para Riley e disse, “Ouviste o que se passou com o Rory Burdon?”

Riley lembrava-se de Hintz perguntar por Rory na noite anterior.

“Não,” Disse ela.

“Os polícias bateram à porta do apartamento dele a noite passada. O Rory não fazia ideia do que se passava. Nem sabia o que acontecera a Rhea. Estava apavorado por ser preso e nem saber porquê. Os polícias fizeram-lhe perguntas até chegarem à conclusão de que ele não era quem procuravam e então foram-se embora.”

Trudy encolheu ligeiramente os ombros e acrescentou, “Pobre rapaz. Não devia ter falado no nome dele àquele estúpido chefe da polícia. Mas ele não parava de fazer perguntas. Não sabia que mais dizer.”

Seguiu-se um silêncio. Riley deu por si a pensar em Ryan Paige e em como mencionara o seu nome a Hintz. Será que a polícia também tinha ido bater à porta de Ryan a noite passada? Era provável, mas Riley esperava que não.

De qualquer das formas, sentiu-se aliviada por Trudy estar finalmente a falar com ela. Talvez agora Riley se pudesse explicar.

Disse, “Trudy, quando a polícia cá chegou, aquela polícia perguntou-me o que é que eu sabia e eu não podia mentir. Tive que dizer que tinhas saído a noite passada com a Rhea. Também tive que lhe falar na Cassie, na Gina e na Heather.”

Trudy assentiu, “Eu percebo Riley. Não precisas de explicar. Eu compreendo. E peço desculpa… peço desculpa por te ter tratado como… “

De repente Trudy começou a chorar, as lágrimas a caírem-lhe do rosto.

Disse, “Riley, a culpa foi minha? Quero dizer, em relação ao que aconteceu à Rhea?”

Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.

“De que é que estás a falar, Trudy? É claro que não. Como é que podia ser culpa tua?”

“Bem, estava tão estúpida e bêbeda a noite passada, e não estava atenta ao que se passava, nem me lembro da Rhea sair do Centaur’s Den. As outras raparigas disseram que ela saiu sozinha. Talvez se eu… “

A voz de trudy apagou-se, mas Riley sabia o que ficara por dizer…

“… talvez se eu tivesse acompanhado a Rhea ao dormitório.”

Mas também Riley sentia essa culpa a inundá-la.

No final de contas, bem podia fazer a mesma pergunta a si própria.

Se não tivesse saído sozinha do Centaur’s Den e se estivesse por perto quando a Rhea se preparava para ir embora, e se a tivesse acompanhado…

Aquela palavra, se…

Riley nunca pensara que uma palavra pudesse ser tão terrível.

Trudy continuou a chorar e Riley não sabia o que fazer para que ela se sentisse melhor.

Perguntou-se porque é que também ela não estava a chorar.

É claro que já chorara na cama a noite passada, mas não chorara o suficiente – não perante uma coisa tão terrível. Com toda a certeza, ainda voltaria a chorar.

Ali ficou a debicar o pequeno-almoço enquanto Trudy limpava os olhos, assoava o nariz e se acalmava.

Trudy disse, “Riley, aquilo em que eu não consigo parar de pensar é porquê? Quero dizer, porquê a Rhea? Foi pessoal? Alguém a odiava o suficiente para a matar? Não vejo como é que isso é possível. Ninguém odiava a Rhea. Porque é que alguém odiaria a Rhea?”

Riley não respondeu, mas fazia as mesmas perguntas a si própria. Também se interrogava se os polícias já tinham respostas.

Trudy prosseguiu, “E será que conhecemos quem a matou? Será que a próxima é uma de nós? Riley, tenho medo.”

Mais uma vez, Riley não respondeu.

Mas ela tinha a certeza de que Rhea conhecia o seu assassino. Não sabia por que tinha essa certeza – ela não era polícia, nem sabia o que quer que fosse sobre criminosos. Mas algo lhe dizia que Rhea conhecia e confiava no seu carrasco – até ser demasiado tarde para se salvar.

 

Trudu olhou para Riley fixamente e disse, “Tu não pareces estar assustada.”

Riley foi apanhada de surpresa pelo comentário.

Pela primeira vez, ocorreu-lhe…

Não, eu não tenho medo.

Andava a sentir outras emoções fortes – culpa, dor, choque – e sim, horror. Mas o seu horror era de alguma forma diferente do medo pela sua própria vida. O horror que ela sentia estava relacionado com Rhea, era um horror ligado à tragédia de que fora vítima.

Mas Riley não tinha medo.

Interrogou-se – seria devido ao que acontecera à mãe há tantos anos, o som daquele tiro, a visão de todo aquele sangue, a incompreensível perda com que ainda hoje lutava?

Será que o mais terrível trauma que já sofrera a tinha fortalecido quando comparada às outras pessoas?

Por algum motivo, ela esperava que não. Não parecia certo ser assim tão forte, forte de uma forma diferente da das outras pessoas.

Não parecia muito…

Riley demorou alguns segundos a pensar na palavra adequada.

Humano.

Ela estremeceu ligeiramente, depois disse a Trudy, “Vou voltar para o dormitório. Preciso de dormir. Queres vir comigo?”

Trudy abanou a cabeça.

“Quero ficar aqui por um bocado,” Disse ela.

Riley levantou-se e deu um abraço rápido a Trudy. Então esvaziou o tabuleiro do pequeno-almoço e saiu da associação de estudantes. O caminho até ao dormitório era curto e ela estava aliviada por não ver jornalistas à vista. Quando chegou à porta de entrada do dormitório, parou por um momento. Ocorrera-lhe porque é que Trudy não quisera ir com ela. Não estava preparada para enfrentar o dormitório outra vez.

Em frente à porta, também Riley se sentiu estranha. É claro que passara ali a noite. Vivia ali.

Mas tendo passado algum tempo no exterior onde fora declarado o regresso à normalidade, fê-la questionar-se se estaria preparada para regressar ao edifício onde Rhea fora assassinada.

Respirou fundo e entrou.

A princípio pensou que estava bem. Mas à medida que continuou a caminhar pelo corredor, uma sensação de estranheza aprofundou-se. Riley tinha a sensação de estar a caminhar e a mover-se debaixo de água. Dirigiu-se logo para o seu quarto e estava prestes a abrir a porta quando se sentiu atraída pelo quarto mais ao fundo do corredor, o quarto que Rhea e Heather tinham partilhado.

Foi até lá e viu que a porta estava fechada e selada com fita da polícia.

Riley ficou ali a sentir uma súbita e horrível curiosidade.

Qual o aspeto do quarto agora?

Teria o quarto sido limpo desde a última vez que o vira?

Ou o sangue da Rhea ainda lá estava?

Riley foi tomada de uma terrível tentação – ignorar a fita, abrir aquela porta e entrar naquele quarto.

Mas ela sabia bem que não podia ceder a essa tentação. E é claro que a porta estava trancada.

Mas ainda assim…

Porque é que sinto isto?

Ficou ali tentando entender aquela necessidade misteriosa. Começou a perceber – estava relacionada com o próprio assassino.

Não conseguia evitar pensar…

Se eu abrir aquela porta, conseguirei entrar na sua mente.

É claro que não fazia sentido.

E era uma ideia aterradora – entrar numa mente maligna.

Porquê? Continuava a questionar-se.

Porque é que ela queria entender o assassino?

Porque é que ela sentia uma curiosidade tão pouco natural?

Pela primeira vez desde que aquilo acontecera, Riley sentiu medo…

… não por ela, mas medo dela própria.

CAPÍTULO SEIS

Na segunda-feira de manhã seguinte, Riley sentia-se profundamnete desconfortável ao sentar-se para assistir à aula de psicologia.

Era, no final de contas, a primeira aula a que assistia depois da morte de Rhea quatro dias antes.

Também era a aula para a qual tentara estudar antes de ela e as amigas terem ido ao Centaur’s Den.

Havia pouca gente na aula – muitos alunos em Lanton ainda não se sentiam preparados para regressar aos estudos. Trudy também lá estava, mas Riley sabia que a sua companheira de quarto também se sentia desconfortável com aquela pressa para regressar à “normalidade”. Os outros alunos estavam todos invulgarmente silenciosos nos seus lugares.

Ao ver o Professor Brant Hayman a entrar na sala, Riley ficou mais tranquila. Era jovem e muito bem-parecido. Ela lembrava-se da Trudy dizer a Rhea…

“A Riley gosta de impressionar o Professor Hayman. Tem um fraquinho por ele.”

Riley encolheu-se perante aquela memória.

Obviamente que não queria pensar que tinha um “fraquinho” por ele.

A questão é que ela estudara com ele quando era caloira. Ele ainda não era Professor, apenas um assistente. Já naquela altura ele lhe parecera um professor fantástico – informativo, entusiástico e às vezes divertido.

Naquele dia, a expressão do Dr. Hayman era séria ao pousar a mala na secretária e olhar para os alunos. Riley apercebeu-se que ele ia direto ao assunto.

Disse, “Reparem, há um elefante nesta sala. Todos sabemos o que é. Temos que limpar o ar. Temos que discutir isto abertamente.”

Riley susteve a respiração. Ela tinha a certeza que não ia gostar do que se ia passar de seguida.

Então Hayman disse…

“Alguém aqui conhecia a Rhea Thorson? Não como conhecida, não como alguém com quem se cruzavam de vez em quando no campus. Refiro-me a conhecer muito bem. A ser amigo.”

Riley levantou a mão timidamente e Trudy também. Mais ninguém na sala o fez.

Então Hayman perguntou, “O que é que vocês as duas têm sentido desde que ela foi assassinada?”

Riley encolheu-se um pouco.

Era, afinal de contas, a mesma pergunta que ouvira os jornalistas perguntarem a Cassie e Gina na sexta-feira. Riley conseguira evitar aqueles jornalistas, mas teria que responder àquela pergunta agora?

Recordou-se que aquilo era uma aula de psicologia. Estavam ali para abordar aquele tipo de questões.

E ainda assim Riley interrogou-se…

Por onde é que devo começar?

Ficou aliviada quando Trudy começou a falar.

“Culpada. Podia ter impedido aquilo de acontecer. Eu estava com ela no Centaur’s Den antes daquilo acontecer. Nem reparei que ela se tinha ido embora. Se ao menos a tivesse acompanhado… “

A voz de Trudy apagou-se. Riley ganhou coragem para falar.

“Eu sinto o mesmo,” Disse ela. “Afastei-me quando chegámos ao Den e não dei muita atenção à Rhea. Talvez se eu tivesse… “

Riley fez uma pausa, depois acrescentou, “Por isso também me sinto culpada. E mais. Egoísta, acho. Porque quis estar sozinha.”

O Dr. Hayman assentiu. Com um sorriso disse, “Então nenhuma de vocês acompanhou Rhea de volta ao dormitório.”

Depois de uma pausa, acrescentou, “Um pecado de omissão.”

A frase alarmou um pouco Riley.

Parecia estranhamente inadequado em relação ao que Riley e Trudy não tinham conseguido fazer. Parecia demsiado benigno, não suficientemente grave, não uma questão de vida ou de morte.

Mas é claro que era verdade.

Hayman olhou para o resto dos alunos.

“E vocês? Alguma vez fizeram – ou falharam – o mesmo tipo de coisa numa situação semelhante? Alguma vez deixaram uma amiga ir a algum lado à noite sozinha quando a deviam ter acompanhado? Ou talvez apenas tenham negligenciado fazer algo importante para a segurança de alguém? Não ter retirado as chaves do carro a alguém que tenha bebido demais? Ignorado uma situação que pudesse ter resultado num ferimento ou mesmo morte?”

Um rumor confuso percorreu a plateia de alunos.

Riley percebeu que era uma pergunta muito difícil.

No final de contas, se a Rhea não tivesse sido assassinada, bem Riley, nem Trudy teriam perdido um momento a pensar no seu “pecado de omissão”.

Teriam esquecido tudo.

Não era surpreendente que alguns dos alunos não se recordassem de situações semelhantes. E a verdade era que a própria Riley não se lembrava ao certo. Houvera outros momentos em que negligenciara a segurança de outra pessoa?

Poderia ser responsável pelas mortes de outros – nem que fosse por pura sorte?

Alguns instantes depois, várias mãos se levantaram relutantemente.

Então Hayman disse, “E os outros? Quantos de vocês não têm a certeza?”

Quase todos os outros alunos levantaram as mãos.

Hayman assentiu e disse, “Ok. Muitos de vocês podem ter cometido o mesmo erro a dada altura. Então quantas pessoas aqui se sentem culpadas pela forma como agiram ou pelo que deviam ter feito e não fizeram?”

Outro rumor confuso se apoderou da sala.

“O quê?” Perguntou Hayman. “Nenhum de vocês? Porque não?”

Uma rapariga levantou a mão e gaguejou, “Bem… foi diferente porque… suponho que porque… ninguém morreu, acho.”

Ouviu-se um múrmurio geral de concordância.

Riley reparou que outro homem entrara na sala. Era o Dr. Dexter Zimmerman, o responsável pelo Departamento de Psicologia. Zimmerman parecia ter estado do outro lado da porta a ouvir a discussão.

Riley tivera uma aula com ele no semestre anterior – Psicologia Social. Era um homem mais velho, de aspeto bondoso. Riley sabia que o Dr. Hayman o considerava o seu mentor – na verdade, era uma espécie de ídolo. Muitos alunos também o viam dessa forma.

Os sentimentos de Riley em relação ao Professor Zimmerman eram mais confusos. Ele fora um professor inspirador, mas não interagira com ele como os outros. Não sabia bem porquê.

Hayman explicou à turma, “Pedi ao Dr. Zimmermen para vir até cá e participar na discussão de hoje. Penso que nos ajudará. Ele ém a pessoa mais pespicaz que conheci em toda a minha vida.”

Zimmerman corou e riu-se.

Hayman perguntou-lhe, “Então o que pensa do que acabou de ouvir os meus alunos dizerem?”

Zimmerman inclinou a cabeça e pensou por um momento.

Então disse, “Bem, pelo menos alguns dos seus alunos parecem pensar que existe alguma espécie de diferença moral aqui. Se não ajudarmos alguém e essa pessoa se magoar ou morrer, é errado – mas não há problema se não houver consequências negativas. Mas eu não vejo qualquer distinção. Os comportamentos são idênticos. As consequências diferentes não alteram o facto de estarem certos ou errados.”

Um múrmurio percorreu a sala quando o significado do discurso de Zimmerman começou a ser assimilado.

Hayman perguntou a Zimmerman, “Isso significa que todos aqui deviam arcar com a culpa juntamente com a Riley e a Trudy?”

Zimmerman encolheu os ombros.

“Talvez seja o contrário. Sentir-se culpado faz bem a alguém? Vai trazer a jovem de volta? Talvez devamos ter sensações mais apropriadas neste momento.”

Zimmerman colocou-se em frente à secretária e olhou diretamente para os alunos.

“Digam-me, vocês que não eram muito próximos da Rhea. O que sentem em relação a estas duas amigas dela neste momento – Riley e Trudy?”

A turma ficou em silêncio por alguns instantes.

Então Riley ficou abismada por ouvir algumas pessoas a chorarem na sala.

Uma rapariga disse numa voz abafada, “Oh, sinto-me tão mal por elas.”

Outra disse, “Riley e Trudy, gostava que não se sentissem culpadas. Não deviam. O que aconteceu à Rhea já foi suficientemente mau. Nem consigo imaginar a dor que estão a sentir neste momento.”

Outros alunos concordaram.

Zimmerman sorriu para a turma.

Disse, “Calculo que a maioria de vocês sabem que a minha especialidade é patologia criminal. O trabalho da minha vida é tentar compreender a mente do criminoso. E nestes últimos três dias, tenho vindo a tentar perceber este crime. Até agora asó tenho a certeza de uma coisa. Foi pessoal. O assassino conhecia a Rhea e queria-a morta.”

Mais uma vez, Riley tentou compreender o incompreensível…

Alguém odiava a Rhea o suficiente para a matar?

Então Zimmerman acrescentou, “Por muito horrível que pareça, posso garantir-vos uma coisa. Ele não voltará a matar. A Rhea era o seu alvo, mais ninguém. E tenho a certeza de que a polícia o apanhará em breve.”

Apoiou-se na borda da secretária e disse, “Posso dizer-vos outra coisa – esteja o assassino onde estiver agora, ele não está a sentir o que todos vocês parecem estar a sentir. Ele é incapaz de sentir compaixão pelo sofrimento de outra pessoa – muito menos a verdadeira empatia que sinto nesta sala.”

 

Escreveu as palavras “compaixão” e “empatia” no quadro.

Perguntou, “Alguém me pode recordar a diferença entre estas duas spalavras?”

Riley ficou um pouco surpreendida por Trudy levantar a mão.

Trudy disse, “Compaixão é quando nos importamos com o que outra pessoa sente. Empatia é quando partilhamos os sentimentos de outra pessoa.”

Zimmerman anuiu e anotou as definições de Trudy.

“Exatamente,” Disse ele. “Então sugiro que todos nós coloquemos de parte os nossos sentimentos de culpa. Foquemo-nos na nossa capacidade de empatia. Separa-nos dos monstros mais terríveis do mundo. É preciosa – ainda mais num momento como este.”

Hayman parecia estar agradado com as observações de Zimmerman.

Disse, “Se todos estiverem de acordo, penso que devíamos terminar a aula por hoje. Foi muito intenso – mas espero que tenha sido útil. Lembrem-se, estão todos a processar sentimentos muito poderosos neste momento – mesmo aqueles de vocês que não eram próximos da Rhea. Não esperem que a dor, o choque e o horror desapareçam nos próximos tempos. Deixem as coisas seguirem o seu curso natural. São parte do processo de cura. E não hesitem em pedir ajuda aos terapeutas da escola. Ou aos colegas. Ou a mim e ao Dr. Zimmerman.”

À medida que os alunos se levantavam para ir embora, Zimmerman disse…

“Antes de saírem, dêem um abraço à Riley e à Trudy. Acho que precisam.”

Pela primeira vez no decurso da aula, Riley sentiu-se aborrecida.

O que é que o faz pensar que preciso de um abraço?

A verdade era que um abraço era a última coisa que queria naquele momento.

De repente, lembrou-se – fora aquilo que a incomodara no Dr. Zimmerman quando tivera aulas com ele. Ele era demasiado fofo para o seu gosto e era muito sensível em relação a imensas coisas e gostava de dizer aos alunos para se abraçarem.

Aquilo parecia um pouco estranho para um psicólogo especializado em patologia criminal.

Também parecia estranho para um homem tamanha empatia.

Afinal de contas, como é que ele sabia se ela e Trudy queriam ou não ser abraçadas? Nem se dera ao trabalho de perguntar.

Quão empático é isso?

Riley não conseguia evitar pensar que o homem era no fundo um falso.

Contudo, ali ficou estoicamente enquanto todos os colegas lhe davam um abraço cheio de compaixão. Alguns estavam a chorar. E Riley reparou que Trudy não se importava de ser alvo daquela atenção. Trudy sorria enquanto chorava a cada abraço.

Talvez seja eu, Pensou Riley.

Estaria algo de errado com ela?

Talvez ela não tivesse os mesmos sentimentos das outras pessoas.

Em breve acabaram-se os abraços e a maioria dos alunos saíra da sala, incluindo Trudy e o Dr. Zimmerman.

Riley estava contente por estar a sós com o Dr. Hayman. Dirigiu-se a ele e disse, “Obrigada pela discussão sobre culpa e responsabilidade. Precisava mesmo de ouvir isso.”

Ele sorriu-lhe e disse, “Ainda bem que pude ajudar. Sei que isto deve ser muito difícil para ti.”

Riley baixou a cabeça por um momento, ganhando coragem para dizer algo que queria dizer.

Por fim disse, “Dr. Hayman, talvez não se lembre, mas frequentei o seu curso de Introdução à Psicologia quando era caloira.”

“Eu lembro-me,” Disse ele.

Riley pôs o seu nervosismo de parte e disse, “Bem, sempre lhe quis dizer… que me inspirou a seguir pesicologia.”

Hayman pareceu um pouco alarmado.

“Uau,” Disse ele. “É ótimo sabê-lo. Obrigado.”

Ficaram a olhar um para o outro durante um momento. Riley esperava não estar a fazer figura de parva.

Por fim, Hayman disse, “Ouve, tenho-te observado nas aulas – os trabalhos que fazes, as perguntas que colocas, as ideias que partilhas com todos. Tens uma boa cabeça. E tenho a sensação… de que te questionas sobre o que aconteceu à tua amiga de uma forma em que os outros nem pensam – talvez nem queiram pensar.”

Riley engoliu em seco. É claro que ele tinha razão – quase estranhamente.

Isto sim é empatia, Pensou.

Lembrou-se da noite do homicídio quando ficara à porta do quarto de Rhea a desejar entrar, sentindo que poderia saber algo importante se pudesse transpor aquela porta naquele momento.

Mas o momento passara. Quando Riley conseguira finalmente entrar, o quarto estava limpo, com o aspeto de que nada ali tinha acontecido.

Disse lentamente…

“Quero realmente compreender… porquê. Quero realmente saber… “

A sua voz desvaneceu-se. Será que se atreveria dizer a Hayman – ou a qualquer outra pessoa – a verdade?

Que queria compreender a mente do homem que assassinara a sua amiga?

Que quase queria sentir empatia por ele?

Ficou aliviada quando Hayman assentiu, parecendo compreender.

“Sei como te sentes,” Disse ele. “Eu sentia o mesmo.”

Abriu uma gaveta na secretária, tirou de lá um livro e mostrou-lho.

“Podes levar isto,” Disse ele. “É um ótimo ponto de partida.”

O título do livro era Mentes Obscuras: A Personalidade Homicida Revelada.

Riley ficou alarmada por ver que o autor o Dr. Dexter Zimmerman.

Hayman disse, “O homem é um génio. Nem imaginas as perspetivas que ele revela neste livro. Tens mesmo que o ler. Pode mudar a tua vida. Não há dúvida de que mudou a minha.”

Riley sentiu-se avassalada pelo gesto de Hayman.

“Obrigada,” Disse.

“De nada,” Disse Hayman com um sorriso.

Riley saiu da sala e acelerou o passo ao sair do edifício em direção à biblioteca, ansiosa por se sentar com o livro à sua frente.

Ao mesmo tempo, sentiu alguma apreensão.

“Pode mudar a tua vida,” Dissera Hayman.

Mudaria para melhor ou para pior?

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