Neve Colorida

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Neve

Colorida

Juan Moisés de la Serna

Traduzido por Luiza Ribeiro

Editora Tektime

2020

“Neve Colorida”

Escrito por Juan Moisés de la Serna

Traduzido por Luiza Ribeiro

1ª Edição: Outubro 2020

© Juan Moisés de la Serna, 2020

© Edição Tektime, 2020

Todos os direitos reservados

Distribuído por Tektime

https://www.traduzionelibri.it

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Prólogo

Finalmente chegou a hora de terminar um dia intenso de trabalho, cheio de dissabores. Uma verdadeira maratona para completar minha parte na grande engrenagem que é a empresa onde trabalho, na qual não se pode falhar sem prejudicar todo o resto.

Eu estava recolhendo alguns papéis no meu escritório quando ouvi aquele som familiar que faz o computador quando recebo um novo e-mail. Não costumo verificá-los a essa hora, prefiro estar tranquilo para vê-los, e hoje foi um dia exaustivo, então os verei amanhã quando voltar. Normalmente não os lia até a manhã seguinte, nem mesmo os lia em casa, eu tentava separar minha profissional da vida pessoal.

Dedicado aos meus pais.

Conteúdo

Capítulo 1. A estranha imagem

Capítulo 2. Iniciando a busca.

Capítulo 3. Renascendo

Capítulo 4. Alguém quer falar com você

Capítulo 5. O ladrão de bebês

Capítulo 6. A volta para casa

Capítulo 1. A estranha imagem

Finalmente chegou a hora de terminar um dia intenso de trabalho, cheio de dissabores. Uma verdadeira maratona para completar minha parte na grande engrenagem que é a empresa onde trabalho, na qual não se pode falhar sem prejudicar todo o resto.

Eu estava recolhendo alguns papéis no meu escritório quando ouvi aquele som familiar que faz o computador quando recebo um novo e-mail. Não costumo verificá-los a essa hora, prefiro estar tranquilo para vê-los, e hoje foi um dia exaustivo, então os verei amanhã quando voltar. Normalmente não os lia até a manhã seguinte, nem mesmo os lia em casa, eu tentava separar minha profissional da vida pessoal.

“Trabalho é trabalho, e casa…” é outra coisa, é algo que demorei bastante para aprender após ter conseguido superar uma doença tão comum nos dias atuais, chamada “workaholism”.

Esse tinha sido meu refúgio por muitos anos, especialmente quando minhas relações interpessoais não funcionavam como eu queria ou esperava.

Isso que poderia ser uma coisa negativa pelo esforço envolvido, foi compensado tanto financeiramente quanto pelo reconhecimento do resto dos meus amigos.

Eu acreditava estar curado disso, especialmente desde que comecei nesse trabalho que era em uma revista pequena, bem colocada em escala nacional, mas sem possibilidades de promoção.

Assim, minha ansiedade e espírito competitivo foram um pouquinho refinados, e eu tinha chegado à base das minhas reais possibilidades na vida, mas a curiosidade me venceu.

Aquele som do recebimento de um novo e-mail me perturbou e fiquei até ansioso para abri-lo.

Quando abri, vi uma foto estranha, era uma foto com diversas cores, ou melhor…, eu não sabia muito bem o que era, sobre um fundo branco eu podia distinguir o amarelo e o azul, mas sem poder especificar o que era.

Olhei quem me enviou para ver se descobria algo mais sobre aquela imagem, e para minha surpresa era de uma amiga de profissão, com quem eu havia tido um romance, mas sem chegar a nada sério.

Sabia que ela tinha trabalhado em várias redes de televisão e tinha se especializado em notícias meteorológicas, ela não somente dava a previsão do tempo como também ia onde estava a notícia, foi para áreas de furacões, tempestades, tornados e qualquer outro fenômeno meteorológico impactante ou raro o suficiente para ser notícia.

Olhei novamente para a imagem, umas faixas brancas, que devia ser da foto, mas era tão estranho, que de repente me dei conta de isso era neve, ou ao menos parecia ser.

Devia ter sido de uma colina encoberta de neve porque dava para ver pequenos montes subindo de baixo para cima, e em cima delas algumas cores.

Era neve colorida? Que estranho! Pode ser que o arquivo estivesse corrompido, ou que ao transmiti-lo tivesse danificado.

E onde será que estava a minha amiga? Na parte inferior da foto tinha a data e a hora. O dia estava correto, mas a hora não.

Pode ser que tivesse tirado a foto há algumas horas e só me enviou agora, não sei, mas continuava me perguntando: de onde poderia ser essa imagem?

Motivado a resolver essa questão, entrei em contato com o departamento de TI para conseguir alguma ajuda para localizar a origem de onde vinha a mensagem.

Depois que um dos gerentes me explicou que cada mensagem enviada deixa um rastro, e que usando os programas certos é possível descobrir por quais países ela passou, desde a sua origem até chegar em mim, ele fez uma averiguação e em menos de dois minutos me disse o número do servidor de onde a mensagem foi enviada, que era um código que ele inseriu em outro programa, e apareceu como origem a Rússia.

Rússia? Me espantei com essa informação. Eu sabia que minha amiga viaja muito, mas para tão longe? O que será que a teria levado até lá? O que será que estava fazendo? E o que essa foto estranha tinha a ver com tudo isso?

Era uma maneira muito estranha de recuperar um contato perdido por descuido e pela passagem do tempo.

Assim é a vida, se você não cultivar todos os dias as amizades, elas vão se apagando como a chama de uma vela, e vão sendo esquecidos até os nomes dos nossos melhores amigos, ficando somente alguns álbuns cheios de fotos de pessoas que, se você as vir novamente, ficará surpreso com o quanto elas mudaram.

Já me aconteceu de encontrar alguém depois de muito tempo e essa pessoa não se parecer em nada com o que eu me recordava dela.

Pode ser que com o tempo eu estivesse modificando minhas lembranças, ficando somente com os bons momentos, me esquecendo de alguns aspectos que eu não gostava dessa pessoa, ou que a pessoa tenha mudado com o passar do tempo, seja como for, as que eu vi depois de um tempo sem contato não se pareciam nada com as que eu conhecia.

Talvez o mesmo acontecesse com essa minha amiga. Mas por que ela teria me enviado essa mensagem, e com uma foto tão estranha?

Se não a conhecesse bem, pensaria que tinha se enganado, mas sei que ela não gosta de incomodar, e que também não sabe pedir ajuda quando precisa, porque ela costumava deixar notas ou fotos, indicando o que queria ou precisava.

Ainda me lembro com carinho da vez em que ela deixou uma revista de vestidos de noiva sobre as minhas anotações, quando tinha ido ao banheiro, e quando voltei para o meu lugar na biblioteca a encontrei lá.

De cara eu achei aquilo estranho, mas logo a vi sorrindo à distância, ela estava esperando a minha reação. Foi um pouco infantil para o meu gosto, mas muito claro e preciso.

O mais provável é que essa foto fosse isso, uma comunicação sobre alguma coisa, ou um pedido de ajuda, mas eu não entendia o conteúdo da mensagem, e por mais que olhasse, não conseguia enxergar nada além de um monte de neve colorida. Talvez fosse isso. A cor devia ser o importante.

Agradeci ao gerente de tecnologia pela ajuda que me havia dado, voltei à minha mesa de trabalho e de lá busquei na internet para ver se encontrava algo sobre neve, cores, e Rússia.

Para minha surpresa, li vários artigos que faziam referência a estranhos fenômenos atmosféricos, de neve amarela ou azul, e a explicação sugerida era que essa cor foi adquirida em razão de uma alta concentração de produtos ferrosos e outros materiais nas nuvens.

Na Sibéria Ocidental caiu neve colorida, e a maioria foi de cor amarela, mas também foram vistas tonalidades alaranjadas e até azuladas. Toda essa neve caiu em uma extensão de 100 quilômetros de comprimento por um quilômetro de largura, afetando cerca de 30.000 habitantes. Essa neve também era viscosa e emitia um mal cheiro.

De acordo com os ambientalistas mencionados nesses artigos, isso poderia acontecer, em razão do mal funcionamento de uma refinaria ou de uma fábrica de fertilizantes químicos que haviam liberado no meio ambiente substâncias que “tingiam” as nuvens.

Mesmo parecendo curioso esse fato, eu não achava que fosse motivo suficiente para que ela tivesse ido lá pessoalmente, porque não era nada mais do que um espetáculo como os fogos de artifícios, bonito e tal.

 

Estava claro que ela estava na Rússia quando me enviou a mensagem e que tinha tudo a ver com a neve colorida.

Agora eu entendia um pouco do que se tratava, embora eu ainda não compreendesse o que deveria fazer, se deveria esperar sua ligação ou ir buscá-la. Se ela tivesse ao menos me dado um número de telefone para contato, eu poderia perguntar a ela.

Enquanto eu pensava nisso, um colega de trabalho me ligou e disse:

– Liga a televisão – E para minha surpresa estava passando uma notícia da Rússia, mostrando um rio com milhares de peixes mortos dentro.

Isso não teria a menor importância em um país onde o cuidado com o meio ambiente não é prioridade, se não fosse o fato de que essas imagens eram do rio Nevá, da sua afluente que passa por São Petersburgo, e que foram tiradas por uns turistas.

No início não dei muita importância porque isso é algo que acontece todos os dias, inclusive nos países mais industrializados, onde as empresas erroneamente despejam poluentes nos rios, aniquilando toda a vida marinha, e isso é diluído pelo rio, diminuindo o impacto ambiental ao mesmo tempo que se estende para áreas mais remotas. Essas imagens de São Petersburgo certamente se referem a áreas mais altas do rio onde foi contaminado, por isso a concentração de peixes mortos.

Bem, aquilo começava a parecer um quebra-cabeças, duas notícias sobre a Rússia no mesmo dia, e ambas com efeitos nocivos à natureza. Não sei se isso era suficiente para começar uma investigação jornalística, mas fui até meu chefe e comentei sobre o caso, ressaltando a oportunidade de fornecer uma notícia nova e de grande interesse da mídia, contada em primeira mão diretamente do local dos fatos.

No início ele estava relutante porque não conseguia ver uma conexão entre os dois eventos, ainda mais quando a distância entre os dois locais envolvidos era grande, mas eu insisti, e tudo que consegui foi uma pequena meia página que devia preencher em uma semana. E o que fazer com uma semana se eu não conheço ninguém na Rússia a quem eu pudesse perguntar?

Quanto ao trabalho estava ótimo, porque com a breve informação que juntei poderia escrever essa meia folha sem problemas, mas o mais importante para mim foi que isso serviu de desculpas para eu ter tempo de procurar minha amiga.

Voltei a minha sala e continuei olhando na internet para ver o que podia descobrir sobre a vida dela desde que nos separamos, para ver que ela tinha pulado de emprego em emprego, e que tinha começado a dar aulas em uma universidade, pelo menos esse era o último cargo conhecido. Ela em uma universidade, não acredito!

Ela era contra o sistema, e via tudo o que estava errado nele. Ela dizia que trabalhava unicamente para pagar suas contas, mas que não acreditava na forma como a sociedade funcionava, e no fim, acabou em uma universidade doutrinando as novas gerações, treinando-as para serem bons cidadãos.

Descoberto isso, liguei para a universidade para saber mais sobre aquela professora, a minha amiga.

– Olá, bom dia. Tudo bem?

– Bem, obrigado. Em que posso lhe ajudar?

– Estou tentando encontrar uma professora que ensina aí.

– Está bem. E quem seria?

– Se chama Magui Robtson.

– Espere um momento. Sim, está aqui, esse semestre não tinha turma. Qual o motivo da sua ligação?

– Estou tentando encontrá-la Sou um velho amigo.

– Vou ver se ela está no seu escritório, espere um segundo – E colocou uma dessas músicas tranquilizadoras, quase hipnóticas, e depois de um momento me disse – Não, ela não está no escritório, mas vou passar para o chefe do seu departamento, espere um momento.

Chefe de departamento! Bem, melhor que nada, pelo menos vou saber ao que ela se dedica.

– Bom dia, pode falar – disse uma voz rouca do outro lado da linha.

– Bom dia, estou procurando por Magui Robtson. Sabe onde posso encontrá-la?

– Claro que sim, na Antártida. Ela está fazendo uma investigação nos polos.

– Não está na Rússia? – perguntei desconcertado.

– Não. Está na Antártida, e parece que as geadas chegaram antes do tempo e acabou ficando isolada por meses. Mas não se preocupe, ela está segura, lá tem bastante comida.

Fiquei muito surpreso com a informação, mas agradeci e desliguei.

Se ela está na Antártida, por que me enviar uma foto da Sibéria, na Rússia? Não tem sentido! Algo não encaixava.

Tudo aquilo me deixou inquieto, então procurei informações à respeito desse chefe de departamento e sobre os projetos em que ele estava trabalhando, e nesse momento estava fazendo pesquisas sobre a mudança climática e o derretimento dos polos, um estudo que eu não via nenhuma relação com o que minha amiga tinha trabalhado até então como mulher do tempo.

Pode ser que tenha sido por curiosidade ou por algum capricho do destino, pode ser que tenha encontrado algo que não queria, ou que estivesse buscando uma notícia nova.

Mas estava claro que ela devia ter mudado muito desde que a conheci, porque agora parecia ser uma mulher adequada à sociedade com objetivos acadêmicos.

Apesar de todas as dúvidas que eu estava tendo, ficou claro para mim que, eu queria saber o que tinha passado com a minha amiga, mesmo que eu não tivesse notícias dela há muito tempo, e que por alguma razão que eu não entendia agora, ela tinha voltado à minha vida, e eu queria pelo menos saber como ela estava.

Talvez seu chefe de departamento soubesse a resposta, uma vez que compartilham muito tempo juntos, bem como preocupações e interesses, porque eu continuava pouco convencido desse fato sobre seu paradeiro.

Outra explicação é que alguém na Rússia tinha descoberto a senha da conta minha amiga, e me enviou essa imagem sem nenhum interesse que não o artístico, mas era algo que parecia louco demais para ser verdade.

Eu sabia que mais cedo ou mais tarde teria que ir à Rússia, por isso não pensei mais nisso e comecei a procurar por voos que fizessem escala em Frankfurt ou em Viena. Nesse momento, fui tomado por um sentimento de preocupação, “Certo, posso chegar até lá, mas e aí por onde eu começaria, já que é o maior país do mundo?”

Eu tinha duas opções claras: ir até o local onde a foto foi tirada, ou ir até São Petersburgo, ambas me levariam onde está a notícia, o que me faria conseguir um financiamento da revista para fazer a reportagem.

Decidi começar pela mais acessível, ir à São Petersburgo, e para isso comprei minha passagem para Moscou e de lá um voo interno com duração de quase duas horas.

Outro assunto que tinha que resolver era a forma como iria me comunicar, porque apesar de eu gostar de conhecer muitos idiomas, entre os que eu falava não estava o russo.

Então, escrevi um e-mail para um jornal local para ver se eles poderiam me fornecer um serviço de tradução que eu precisaria durante a minha estadia, pensando que por ser do mesmo setor jornalístico eles me dariam toda a ajuda que eu precisasse.

Eu já tinha tudo preparado, inclusive tinha feito até uma lista de palavras traduzidas do russo e escritas da forma como soam, para facilitar o trajeto entre minha chegada em Moscou e o voo para São Petersburgo.

Nesse breve espaço de tempo em que eu teria que trocar de terminal, passar pelos controles de segurança, para tudo isso, eu deveria ao menos saber dizer bom dia e obrigado.

Apesar da minha pressa, eu tive que esperar três dias para pegar o voo que me levaria a essa busca, talvez sem outro significado senão o de recuperar um amor perdido, ou talvez motivado pela emoção do mistério que envolvia tudo aquilo. Seja como for, eu não dormi bem essas noites pensando em todas as dificuldades que teria que enfrentar indo a um país do qual eu não entendia uma palavra sequer, e porque teria que ficar à disposição das pessoas locais para me ajudar.

Finalmente chegou o dia, já estava sentado no avião com destino a Moscou e minhas mãos começaram a suar só de pensar que voltaria a encontrá-la. Já tinha passado muito tempo, mas acho que ainda existia um sentimento profundo e sincero disposto a se revelar.

Eu não me lembro por que terminamos se nos dávamos tão bem, talvez porque éramos jovens e preferimos seguir nossas vidas mais preocupados em encontrar um lugar dentro do mercado de trabalho e da sociedade do que nos limitarmos a fazer nossos corações felizes.

Talvez se as circunstâncias tivessem sido diferentes, agora estaríamos casados e, com certeza, felizes.

Ela pode não ter terminado seus estudos, ou pode não ter atingido níveis tão altos como aparentemente tinha chegado desde que parei de ter notícias dela.

À medida que pensava, meu coração ia acelerando, e minha mente se perdia nas memórias de um primeiro amor.

É verdade que eu já tinha saído com outras meninas antes, mas isso era mais fruto do desejo de conhecer e descobrir a juventude do que, por um verdadeiro sentimento de amor.

Foi tudo muito rápido entre nós, parecia que tínhamos sido feitos um para o outro, tínhamos os mesmos interesses, forma de falar e pensar parecidas e, até mesmo estudávamos juntos.

O que no começo era uma amizade foi se transformando em algo mais, até que começamos a quase depender um do outro, não passava dois minutos sem um pensar no outro.

Tudo aquilo foi um momento lindo da minha vida, o qual eu não tinha revisitado, porque eu tinha uma máxima na vida que era olhar adiante, não perder tempo me preocupando se tinha feito bem ou mal, ou se tivesse tomado outras decisões, como teria sido o resultado.

Isso às vezes me trouxe consequências desagradáveis, já que em uma ocasião voltei a cometer o mesmo erro do passado, já que não aprendi com as consequências ao não gastar tempo repensando e recapitulando os fatos ocorridos.

Na realidade, não sei por quê, mas olhar para o passado me entristece, talvez pela quantidade imensa de bons momentos que tive, mas também, pelas pessoas que fizeram parte da minha vida e que agora não posso dividir o tempo com elas, seja porque, como a minha amiga, estão ilocalizáveis durante anos, ou porque já faleceram.

Para mim foi surpreendente sentir essas sensações percorrendo o meu corpo, era como quando se ingere uma bebida gelada ao final de uma série de exercícios físicos, mas deixando-me com uma sensação agradável no final.

Eu me sentia nervoso como se tivesse quinze anos novamente, como se fosse a primeira vez que buscaria uma garota na sua casa, sentia tudo com tanta intensidade e me surpreendia em me ver tão nervoso.

Como estaria a minha amiga? Porque a última vez que a vi pessoalmente foi no final da adolescência, e as fotos que vi dela na internet não está tão parecida, o cabelo tinha outra cor, e usava óculos.

Tive que olhar duas vezes para ela para poder apreciar aquelas características que, na minha juventude, me fizeram apaixonar. Eu tinha decorado cada centímetro do seu rosto, e agora ela parecia tão mudada.

Pode ser resultado do passar dos anos, talvez das experiências, os bons e maus momentos da vida deixam sua marca no rosto, como um psicólogo me disse uma vez.

Segundo ele, olhando para o rosto de uma pessoa é possível saber como foi sua vida, se foi tratado bem ou mal, se sofreu ou se riu muito, e como ele me disse, quando usamos frequentemente um músculo o desenvolvemos mais.

Pelo nosso rosto e nossa expressão ele podia saber quais músculos eram os que mais usávamos e em função disso, determinar se tínhamos estado mais tempo felizes ou tristes.

Talvez tenha deixado levar pela minha imaginação, tentando antecipar meu encontro com ela, o qual não estava certo que aconteceria, porque uma vez em São Petersburgo eu não sabia ao certo para onde ir, talvez o melhor tivesse sido ir vê-la diretamente.

Ela estava na região da Sibéria Ocidental de onde tinha enviado a fotografia com as cores estranhas, mas seria tão complicado e difícil o meu trabalho de encontrá-la quanto encontrar uma agulha em um palheiro, porque o lugar era tão grande que levaria mais de um mês percorrendo tudo, e isso claro, supondo que ela ainda estivesse ali e não tivesse saído daquela região.

A primeira coisa que tinha a fazer quando chegasse era ter certeza de que ela havia entrado no país. Era uma tarefa difícil, mas suponho que a embaixada poderia me ajudar, uma vez que eles devem ter um registro dos cidadãos que entram no país.

Outra possibilidade seria pedir essa informação ao governo russo. Mas com que autoridade eu poderia fazer isso, simplesmente porque tenho curiosidade em localizar uma amiga antiga? Não creio que seria suficiente.

 

De acordo com seu chefe de departamento, ela devia estar na Antártida, mas não entendia como tinha saído de lá e por quê, e o mais intrigante, por que havia me enviado essa foto?

Eram muitas perguntas, então decidi me concentrar no que já tinha certo, um rio contaminado com milhares de peixes mortos, e uma neve colorida. Talvez esses fossem eventos isolados, mas ao menos eu sabia por onde começar a procurar.

Meu chefe me pediu um artigo, e isso era a primeira coisa que devia fazer, e depois aproveitar que já estava no país e iniciar minha própria busca.

Algumas fotos de cada um dos lugares e as declarações dos habitantes da área seriam suficientes para complementar a informação oficial, a qual era bastante imprecisa afirmando que, ambos os casos isoladamente, foram falhas em algumas instalações químicas que por engano derramaram substâncias tóxicas uma para o rio e a outra para a atmosfera.

Essa era uma luta que tinha levado muitos grupos a protestar nos países industrializados devido ao alto nível de poluentes lançados no meio ambiente.

Agora nesses países existem protocolos tanto para reciclar esses resíduos, para que o impacto no meio ambiente seja mínimo, como para detectar vazamentos e implementar planos de vacinação ou evacuação da população mais próxima.

Eu sentia simpatia por esses grupos que denunciavam quando algo não funcionava como deveria, em relação as medidas de segurança e proteção, ainda que me parecesse que em outras ocasiões eles abusavam do seu poder causando danos às indústrias, necessárias ao progresso.

Talvez fosse difícil manter o equilíbrio entre o que eles exigem e o progresso.

Eu pessoalmente queria dar um enfoque mais humanitário a esse artigo, ainda que estivesse disposto a escutar todos que quisessem dar suas opiniões, incluindo os grupos ambientais, mas me interessava mais como as pessoas comuns tinham vivenciado isso, os cidadãos com os quais o leitor podia se identificar, aqueles que saem de sol a sol para trabalhar, e que fazem cálculos para conseguir pagar as contas no final do mês.

Olhando pela janela vi uma mancha branca grande, não era um branco de nuvens como havíamos atravessado há pouco, mas a vasta planície branca da Rússia. Admirando a paisagem eu percebi que ainda não tinha ideia de como ia fazer tudo isso, se o jornal que havia contactado não me fornecesse um tradutor, mas eu resolveria os problemas à medida que surgissem.

Tudo correu bem na minha chegada em Moscou apesar de ver muita segurança armada no aeroporto, e apesar de ter que me identificar várias vezes não houve maiores problemas para embarcar no voo seguinte para São Petersburgo.

A mudança nos caracteres gráficos escritos nas placas foi uma verdadeira luta para eu entender como tudo funcionava.

Mas depois de perguntar a uns turistas que tinham cara que sabiam inglês, consegui chegar até o balcão de informações e lá me indicaram a sala e a hora que sairia meu voo.

Depois de quase duas horas de espera entre um voo e outro, cheguei no aeroporto, já era tarde, e apesar de ter ficado com uma pessoa do jornal, não pensei que chegaria naquela hora, mas para minha surpresa depois de pegar minha bagagem e seguir para a saída, me deparei com um letreiro que segurava uma pessoa jovem, era uma garota de cabelo bem preto e pele branquinha, mostrando um grande contraste.

Havia outras pessoas segurando letreiros, provavelmente para turistas distraídos como eu, e algumas até faziam referência a agências de viagem.

Me aproximei dela e me identifiquei tentando dizer, através de mimica, que eu era a pessoa do letreiro, mas para minha surpresa ela me respondeu:

– Eu falo seu idioma perfeitamente, por isso me enviaram para buscá-lo, serei sua guia durante sua breve estadia.

– Quem disse que será breve? – perguntei entre espanto e incômodo.

– Me disseram que seria uma estadia de dois ou no máximo três dias, é o que fazem os jornalistas estrangeiros, chegam, veem a notícia e voltam ao seu país para publicá-la.

– É verdade, essa é a ideia, mas além disso eu quero encontrar uma amiga.

– Não sei nada sobre a sua amiga – ela me disse intrigada.

– Eu não disse tudo ao jornal, estou procurando uma companheira que desapareceu.

– Bem, se é assim, o jornal deve saber sua última posição.

– Ela não trabalha para nenhum jornal, estava fazendo uma investigação na Antártida.

– Não estou entendendo nada, você vai ter que me contar tudo se quer que eu te ajude – ela me disse enquanto íamos com as malas para a saída.

Depois de passar o ponto de táxi, fomos até o estacionamento, e depois de passar por uma fila de carros ela me disse:

– Esse é o meu carro, pode colocar as malas no banco de trás porque o bagageiro está todo ocupado.

Pus as malas, me sentei no assento do copiloto e deixamos o Aeroporto Internacional Púlkovo em direção à cidade.

Embora não fosse tarde porque era apenas seis horas, já parecia noite fechada, talvez fosse pelo fuso horário ou talvez pelas horas de voo, mas eu já estava bastante cansado apesar da hora.

– Veja, eu tomei a liberdade de cancelar a sua reserva do hotel.

– Você fez o quê? – perguntei surpreso.

– Veja, eu tenho um aluguel para pagar e me cairia muito bem esse dinheiro, como o que você gastaria um dia eu poderia pagar meio mês, meu apartamento é grande e limpo, te peço como um favor de amigo para amigo.

– Não sei, isso me soa muito estranho.

– Se ficar aqui por um tempo, você perceberá que somos boa gente, apesar da fama que temos no ocidente.

»Embora também tenhamos muitos defeitos apesar de termos uma grande economia, a riqueza se concentra nas mãos de poucos, e é muito difícil manter um padrão aceitável de vida, por isso muitos têm dois e até três empregos.

»Agora eu estou estudando e trabalhando no jornal, mas como nele não ganho o suficiente para viver, às vezes eu faço outros tipos de trabalho, como de guia turístico porque falo vários idiomas.

– Me surpreende o que você está dizendo, eu achava que esse país que tantos temem estava melhor.

– Sim, dependendo do que você faz, os que trabalham para o governo recebem bons salários, mas o resto de nós, temos que ganhar nosso pão dia após dia.

Depois de pensar um pouco, eu disse:

– Está bem, mas com uma condição, você me acompanhará e será minha tradutora pelo tempo que for necessário, seja apenas três dias como seja por um mês.

Ela me olhou com os olhos bem abertos, e surpresa me perguntou:

– Você vai me pagar o equivalente ao mês de hotel? Isso seria uma bolada aqui.

– Bem, não, o jornal me mandou com o prazo máximo de uma semana, é tudo o que posso te pagar – eu disse lembrando da conversa que tive com meu chefe.

– Feito – ela me disse estendendo a mão para apertar.

– Mais uma coisa – eu disse antes de dar-lhe a mão.

– Você não tinha dito só uma condição? – me perguntou espantada.

– O que gastar de gasolina no carro eu pago - disse mostrando um leve sorriso.

– Você é quem paga, então saberá – disse me devolvendo uma piscada.

Não entendi muito bem esse gesto, mas parecia que no final começava a clarear tudo nesse mundo de incertezas. Eu tinha conseguido uma tradutora que, também seria motorista e guia turística, por todo o tempo que precisasse.

Suponho que para ela esse acordo caiu muito bem, do ponto de vista econômico, mas para mim tinha sido um alívio encontrá-la.

Chegamos na cidade que estava iluminada, cruzamos o centro bem devagar, ela me apontando os principais edifícios e ruas, e por mais que ela repetisse várias vezes os nomes para que eu aprendesse, para mim eles eram impronunciáveis.

Não só porque estavam em russo, mas porque nunca conseguia me orientar quando eu estava de copiloto. Já me aconteceu isso antes, de eu ter passado meses em um lugar onde era levado ou andava de taxi, e não aprendi nenhum nome de rua ou praça.

No entanto, se era eu quem dirigia, em apenas três meses já sabia todas as ruas que tinha que pegar desde a minha casa até o trabalho.

Depois de passar pela parte central, fomos para um bairro mal iluminado que quase não tinha postes, e os únicos que tinham iluminavam um pouco mais de um metro ou dois de onde estavam.

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