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Alerta Vermelho: Confronto Letal

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From the series: Um Thriller de Luke Stone #1
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CAPÍTULO 8

05:45

Baltimore, Maryland – A sul do túnel Fort McHenry

Eldrick estava sozinho a cerca de 10 metros da carrinha. Acabara de vomitar mais uma vez. Praticamente já só expelia sangue e isso preocupava-o. Ainda tinha vertigens, febre e continuava enrubescido mas, com o estômago vazio, já não se sentia nauseado. Mas o melhor de tudo é que estava finalmente fora da carrinha.

Algures para lá do horizonte sujo, o céu começava a clarear com um tom doentio de amarelo pálido. Ao nível do chão, ainda estava escuro. Estavam estacionados num parque de estacionamento desolado junto a um cais sombrio. A passagem superior de uma autoestrada pairava vinte andares acima das suas cabeças. Próximo do local onde se encontravam estava um edifício industrial de tijolo abandonado com duas chaminés. As janelas partidas eram buracos negros semelhantes a olhos mortos. O edifício estava rodeado por uma vedação de arame farpado com sinais afixados a cada 10 metros: NÃO ENTRAR. A vedação exibia um buraco visível. A área à volta do edifício estava coberta de arbustos e ervas altas.

Observou Ezatullah e Momo. Ezatullah descascava um dos grandes decalques magnéticos da Dun-Rite Laundry Services. De seguida, levou-o até à beira da água e arremessou-o. Depois descascou o outro lado. Eldrick nunca pensou que os sinais pudessem ser retirados. Entretanto, Momo ajoelhou-se em frente à carrinha com uma chave de fendas para remover a matrícula e substituí-la por outra. Logo a seguir, dirigiu-se às traseiras do veículo e repetiu a operação.

Ezatullah gesticulou na direção da carrinha. “Voilá!” Exclamou. “Um veículo completamente diferente. Apanha-me agora, Tio Sam.” O rosto de Ezatullah emanava um brilho púrpura suado. Parecia estar a ficar com pieira. Os olhos estavam injetados de sangue.

Eldrick olhou em redor. O estado físico de Ezatullah tinha-lhe dado uma ideia. A ideia surgira repentina como um relâmpago e desaparecera tão subitamente como surgira. No fundo, era a forma mais segura de se pensar. Algumas pessoas pareciam ter a capacidade de ler os pensamentos através do olhar.

“Onde estamos?” Perguntou.

“Em Baltimore,” Respondeu Ezatullah. “Outra das tuas grandes cidades americanas. E um lugar agradável para se viver, imagino. Baixo índice de criminalidade, belezas naturais e cidadãos saudáveis e ricos, motivo da inveja de todos.”

Eldrick tinha delirado durante a noite. Tinha desmaiado mais do que uma vez. Tinha perdido a noção do tempo e de onde estavam, mas não podia imaginar que tinham andado tanto.

“Baltimore? Porque é que estamos aqui?”

Ezatullah encolheu os ombros. “Estamos a caminho do nosso destino.”

“O alvo está aqui?”

Agora Ezatullah sorria. Um sorriso não condizente com o seu rosto contaminado pela radiação. Parecia a própria morte. Aproximou-se com uma mão trémula e deu uma palmada amigável no ombro de Eldrick.

“Peço desculpa se me descontrolei contigo, meu irmão. Fizeste um bom trabalho. Entregaste tudo o que prometeste. Queira Alá que ainda hoje chegues ao paraíso. Mas não pela minha mão.”

Eldrick limitou-se a olhar fixamente para ele.

Ezatullah abanou a cabeça. “Não. Baltimore não. Vamos viajar para sul para perpetrarmos um ataque que alegrará as multidões que sofrem um pouco por todo o mundo. Vamos entrar no covil do Diabo em pessoa e cortar a cabeça da besta com as nossas próprias mãos.”

Eldrick sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo. Os braços ficaram eriçados com pele de galinha. Reparou que a sua t-shirt estava alagada em suor. Não gostou do que ouviu. Se iam para sul e estavam em Baltimore, então a próxima cidade era…

“Washington,” Disse.

“Sim.”

Ezatullah sorriu novamente. Um sorriso glorioso, como o sorriso de um santo a quem será concedida a entrada nas portas do céu.

“Corte-se a cabeça e o corpo morre.”

Era claro para Eldrick. O homem estava louco. Talvez fosse da doença ou talvez fosse outra coisa qualquer, mas uma coisa era certa: ele não dizia coisa com coisa. O plano era roubar o material e abandonar a carrinha no South Bronx. Era um trabalho perigoso, difícil de executar e eles tinham conseguido. Mas quem quer que estivesse à frente da operação, tinha alterado o plano ou tinha-lhes mentido desde o início. Agora viajavam rumo a Washington numa carrinha radioativa.

Para fazer o quê?

Ezatullah era um jihadista experiente. Ele tinha que ter a noção de que almejava o impossível. Eldrick sabia que, fosse o que fossem fazer, nem sequer se aproximariam do objetivo. Imaginou a carrinha, cravejada com buracos de balas, a 300 metros da Casa Branca ou do Pentágono ou da vedação do Capitólio.

Isto não era uma missão suicida. Nem sequer era uma missão. Era uma afirmação política.

“Não te preocupes,” Tranquilizou-o Ezatullah. “Tens que estar feliz. Foste escolhido para a maior das honras. Vamos conseguir mesmo que não consigamos imaginar como. Tudo se vai tornar claro a seu tempo.” Virou-se e abriu a porta lateral da carrinha.

Eldrick relanceou Momo. Estava a terminar o trabalho de substituição da matrícula. Momo já não falava há algum tempo. Se calhar também não se sentia muito bem.

Eldrick recuou um passo para trás. Depois outro. Ezatullah estava ocupado com algo no interior da carrinha de costas voltadas para Eldrick. Podia não surgir outra oportunidade igual. Eldrick estava num vasto terreno aberto sem ninguém a olhar na sua direção.

Eldrick fora atleta de pista na secundária. E era bom. Lembrava-se das multidões dentro da 168th Street Armory em Manhattan, as classificações no placard, o sinal de partida a disparar. Lembrava-se da sensação de nó no estômago antes da corrida, da velocidade louca na pista nova, gazelas negras e magras a correr, a arrancar de cotovelos elevados, a correrem tão velozmente como num sonho.

Desde essa altura que Eldrick não voltara a correr tão rapidamente mas quem sabe, uma explosão de energia e um objetivo definido, não pudessem ajudar a alcançar a velocidade de outrora. Não valia a pena hesitar ou pensar muito no assunto.

Virou-se e foi-se embora.

Um segundo depois ouviu a voz de Momo:

“EZA!”

Depois qualquer coisa dita em Farsi.

O edíficio abandonado estava à sua frente. A doença regressava em força. Sentiu sangue a escorrer-lhe na t-shirt mas continuou a correr. Já estava sem fôlego.

Ouviu um barulho semelhante ao de um agrafador. Ecoou frouxamente contra as paredes do edíficio. Claro que Ezatullah estava a disparar. E a arma tinha um silenciador.

Uma picada aguda atingiu as costas de Eldrick. Caiu no chão, esfolando os braços no asfalto em ruínas. Um milésimo de segundo depois, novo tiro soou. Eldrick levantou-se e continuou a correr. A vedação estava mesmo à sua frente. Virou-se e dirigiu-se ao buraco.

Foi atingido por outra picada. Caiu para a frente e agarrou-se à vedação. Toda a força parecia agora esvair-se das pernas. Ficou ali pendurado, agarrado apenas aos elos do arame.

“Mexe-te,” Disse num tom esganiçado. “Mexe-te.”

Caiu de joelhos, forçou a vedação destruída e rastejou no buraco. Estava atolado em erva alta. Pôs-se de pé, tropeçou em algo que não conseguia ver e rebolou para um aterro. Nem tentou parar de rebolar. Deixou simplesmente que o ímpeto o conduzisse até ao fundo.

Por fim, parou, respirando com intensidade. A dor nas costas era insuportável. O rosto estava enterrado na lama. O lugar era húmido, lamacento e estava mesmo na margem do rio. Se quisesse podia deixar-se cair nas águas negras mas preferiu rastejar mais profundamente no matagal. O sol ainda não tinha nascido. Se ali ficasse, se não se mexesse e são emitisse um som, podia ser que conseguisse…

Levou uma mão ao peito. Os dedos ficaram cobertos de sangue.

*

Ezatullah estava junto ao buraco da vedação. O mundo girava em seu redor. Ficara atordoado só de correr atrás de Eldrick.

A sua mão segurou num elo da vedação ajudando-o a manter-se de pé. Pensou que ia vomitar. Estava escuro naqueles arbustos. Podiam perder uma hora só a procurá-lo ali. Se conseguisse chegar ao grande edifício abandonado, podiam nunca o encontrar.

Moahmmar estava perto, curvado com as mãos nos joelhos e a respirar com dificuldade. O corpo tremia-lhe. “Devemos entrar?” Perguntou.

Ezatullah abanou a cabeça. “Não temos tempo. Atingi-o duas vezes. Se a doença não acabar com ele, as balas acabam. Deixa-o morrer aqui sozinho. Talvez Alá tenha piedade da sua cobardia. Espero que sim. De qualquer das formas, temos que continuar sem ele.”

Virou-se e começou a regressar à carrinha que parecia estar estacionada a uma grande distância. Estava cansado e doente, mas continuou a caminhar. A cada passo estava mais próximo dos portões do Paraíso.

CAPÍTULO 9

6:05

Centro de Comando Conjunto de Contra Terrorismo – Midtown Manhattan

“Luke, a melhor coisa a fazer é reunir o pessoal e voltar a Washington,” Disse o homem do fato.

Luke estava no meio do caos da sala principal do centro de comando. Já era dia e uma luz fraca entrava vinda das janelas, dois andares acima do andar onde trabalhavam. O tempo não dava tréguas e o centro de comando era uma confusão pegada.

Duzentas pessoas ocupavam aquele espaço. Havia pelo menos quarenta postos de trabalho, alguns dos quais com duas ou três pessoas sentadas em cinco ecrãs de computador. No placard principal, podiam ver-se vinte diferentes ecrãs de televisão e computador. Os ecrãs mostravam mapas digitais de Manhattan, o Bronx, Brooklyn, imagens de vídeo ao vivo de entradas nos túneis Holland e Lincoln, fotos de terroristas árabes que se sabia estarem no país.

Três dos ecrãs mostravam naquele momento o Presidente da Câmara DeAngelo ao microfone pedindo ao corajoso povo de Nova Iorque para ficar em casa e abraçar os filhos. Lia notas previamente elaboradas.

 

“No pior dos cenários,” Anunciou o Presidente, a voz a elevar-se dos altifalantes colocados em torno da sala, “a explosão inicial mataria muitas pessoas e criaria o pânico na área abrangida. A exposição à radiação espalharia o terror na região e provavelmente no país. Muitas das pessoas expostas no ataque inicial ficariam doentes e algumas morreriam. Os custos de limpeza seriam tremendos mas seriam menores do que os custos psicológicos e económicos. Um ataque de bomba suja numa grande estação de comboios de Nova Iorque afetaria o transporte na costa Leste no futuro próximo.”

“Agradável,” Disse Luke. “Gostava de saber quem lhe escreve os discursos.”

Olhou para a sala. Todos estavam ali representados, todos em busca da melhor posição. Era sopa de letras. DPNI, FBI, NSA, ATF, DEP e até a CIA. Que raio, até a DEA ali estava. Luke não compreendia em que medida o roubo de resíduos radioativos constituía um crime de estupefacientes.

Ed Newsam tinha ido à procura do pessoal da SRT no meio da multidão.

“Luke, ouviste-me?”

Luke regressou ao que interessava. Estava com Ron Begley da Segurança Interna. Ron era um homem careca com cinquenta e muitos anos. Tinha uma barriga protuberante e pequenos dedos rechonchudos. Luke conhecia a sua história. Um homem que tinha trepado na hierarquia através da burocracia governamental. No 11 de Setembro, estava no Tesouro a liderar uma equipa que analisava questões de evasão fiscal e operações fraudulentas. Foi deslocado para o contraterrorismo quando a Segurança Interna foi criada. Nunca tinha feito uma detenção ou disparado uma arma em toda a sua vida.

“Disseste que eu devia ir para casa.”

“Estás a incomodar algumas pessoas por aqui, Luke. O Kurt Myerson ligou ao chefe do DPNI e disse-lhe que estavas no hospital a tratar as pessoas como se fossem teus criados. E que requisitaste uma equipa SWAT. A sério? Uma equipa SWAT? Ouve, isto é território deles. Devias seguir as suas indicações, é assim que se joga o jogo.”

“Ron, o DPNI chamou-nos. Presumo que o fizeram porque precisavam de nós. As pessoas sabem como trabalhamos.”

“Cowboys,” Disse Begley. “Vocês trabalham como cowboys de rodeo.”

“O Don Morris tirou-me da cama para vir para cá. Podes falar com o Don…”

Beggley encolheu os ombros. Uma espécie de sorriso estampou-se-lhe na cara. “O Don foi chamado de volta. Apanhou um helicóptero há vinte minutos. Sugiro que faças o mesmo.”

“O quê?”

“Isso mesmo. Desta vez foi chamado lá acima. Convocaram-no para um briefing no Pentágono. Qualquer coisa mesmo importante. Se calhar não tinham um estagiário para o fazer, então chamaram o Don.”

Begley baixou o tom de voz, apesar de Luke o ouvir claramente. “Um conselho. Faltam ao Don o quê, cerca de três anos antes de se reformar? O Don faz parte de uma espécie em vias de extinção. É um dinossauro e a SRT também. Eu sei-o e tu também. Todas estas pequenas agências dentro da mesma agência surgem à margem. Estamos a consolidar e a centralizar, Luke. Aquilo de que precisamos agora é de análise focada nos dados. É assim que vamos deslindar crimes no futuro. E é assim que vamos apanhar estes terroristas hoje. Já não precisamos de super espiões machões e antigos comandos envelhecidos a fazer acrobacias em fachadas de edifícios. Simplesmente não precisamos. Acabou-se a brincadeira de heróis. Se pensarmos bem nisso, até é um pouco ridículo.”

“Ótimo,” Disse Luke. “Vou ter isso em consideração.”

“Pensava que estavas a ensinar na faculdade,” Continuou Begley. “História, ciência política, esse tipo de coisas.”

Luke assentiu. “Estou.”

Begley pousou uma mão roliça no braço de Luke. “Devias continuar por lá.”

Luke sacudiu a mão e mergulhou na multidão à procura do seu pessoal.

*

“O que temos?” Perguntou Luke.

A sua equipa tinha acampado num compartimento mais afastado. Pegaram em algumas secretárias e construíram a sua própria pequena estação de comando com portáteis e emissores satélite. Trudy e Ed Newsam estavam lá juntamente com mais alguns elementos. Swann estava sozinho a um canto com três portáteis.

“Chamaram o Don,” Informou Trudy.

“Eu sei. Falaste com ele?”

Ela anuiu. “Há vinte minutos. Estava prestes a decolar. Disse para continuarmos a trabalhar no caso até ele pessoalmente o dar por concluído. Devemos educadamente ignorar os outros.”

“Parece-me bem. Então, em que ponto estamos?”

O rosto de Trudy estava sério. “Estamos no bom caminho. Agora já só temos seis veículos prioritários. Todos passaram a um quarteirão do hospital a noite passada e têm pormenores estranhos ou que não batem certo.”

“Dá-me um exemplo.”

“Ok. Um deles é um camião de venda de comida registado em nome de um antigo paraquedista russo. Conseguimos segui-lo através das câmaras de vigilância e tanto quanto podemos saber, andou a circular por Manhattan toda a noite, a vender cachorros quentes e Pepsi a prostitutas, proxenetas e outros.”

“Onde está agora?”

“Está estacionado na 11ª Avenida a sul do Centro de Convenções Jacob Javits. Não circula há algum tempo. Pensamos que pode ter adormecido.”

“Ok, parece que acabou de descer no nível de prioridades. Por via das dúvidas, entreguem-no ao DPNI. Podem tratar dele e descobrir que mais está a vender. Próximo.”

Trudy percorreu a sua lista. Um monovolume funcionava como veículo Uber conduzido por um antigo físico nuclear caído em desgraça. Um reboque de quarenta toneladas com um seguro de acidente destruído e eliminado num acidente. Uma carrinha de entregas pertencente ao serviço comercial de uma lavandaria com matrícula registada em nome de uma empresa de pavimentos de Long Island. Uma ambulância dada como roubada há três anos.

“Uma ambulância roubada?” Perguntou Luke. “Isso parece ser qualquer coisa.”

Trudy encolheu os ombros. “Geralmente este tipo de roubo está relacionado com o negócio de órgãos ilegais. Recolhem de doentes recentemente falecidos poucos minutos depois do óbito. Têm que fazer a colheita de órgãos, acondicioná-los e retirá-los do hospital rapidamente. Ninguém olha com estranheza para uma ambulância em espera no parque de estacionamento de um hospital.”

“Talvez esta noite não estivessem à espera de órgãos. Sabes onde estão?”

Trudy abanou a cabeça. “Não. A única localização confirmada é a do russo. Isto é mais uma arte do que uma ciência. As câmaras de vigilância ainda não estão em todo o lado, sobretudo fora de Manhattan. Vê-se um camião a passar em frente a uma câmara e depois podes não voltar a vê-lo. Ou podes apanhá-lo numa outra câmara a dez quarteirões de distância ou a dez quilómetros. O reboque atravessou a Ponte George Washington para New Jersey antes de o perdermos de vista. A carrinha da lavandaria foi até à Ponte da 138th Street para o South Bronx e desapareceu. Neste momento, estamos a tentar localizá-los recorrendo a outros meios. Entrámos em contato com a empresa de camionagem, a Uber, a empresa de pavimentos e o serviço de lavandaria. Devemos ser informados em breve. E tenho oito pessoas no quartel-general a passar a pente fino horas e horas de feeds de vídeo à procura da ambulância.”

“Ótimo. Mantém-me informado. E as questões bancárias?”

O rosto de Trudy parecia de pedra. “Devias perguntar isso ao Swann.”

“Luke?”

Parou. “Sim.”

Os olhos de Trudy percorreram toda a sala. “Podemos falar? Em privado?”

*

“Vais despedir-me porque não infrinjo a lei por ti?”

“Trudy, não te vou despedir. O que é que te passou pela cabeça?”

“Foi o que disseste, Luke.”

Estavam a conversar numa pequena despensa. Havia ali duas secretárias vazias e uma pequena janela. Os tapetes eram novos. As paredes eram brancas e estavam nuas. Uma pequena câmara de vídeo estava montada num dos cantos, junto ao teto.

Parecia que o compartimento nunca tinha sido usado. O próprio centro de comando só estava em funcionamento há menos de um ano.

Os enormes olhos de Trudy fixaram-no intensamente.

Luke suspirou. “Estava a dar-te uma desculpa. Pensava que tinhas percebido isso. Se surgisse algum problema, podias culpar-me a mim. Terias apenas feito o que eu te tinha pedido. Tinhas medo de perder o emprego se não cumprisses as minhas ordens.”

Trudy aproximou-se dele. No reduzido espaço da despensa, Luke conseguia sentir o odor do seu champô e perfume que usava com frequência. A combinação de odores exercia um estranho efeito nos seus joelhos. Sentiu-os tremer.

“Nem me podes dar uma ordem direta, Luke. Já não trabalhas na SRT.”

“Estou de licença.”

Aproximou-se ainda mais dele. Os olhos estavam centrados nele como dois hipnotizantes lasers. Havia inteligência e calor naqueles olhos.

“E foste-te embora… porquê? Por minha causa?”

Ele abanou a cabeça. “Não. Tinha as minhas razões e tu não eras uma delas.”

“Os irmãos Marshall?”

Encolheu os ombros. “Quando matas dois homens numa noite, poderá ser altura de fazer uma pausa. Talvez de reavaliar o que andas a fazer.”

“Estás-me a dizer que nunca sentiste nada por mim?” Insinuou Trudy.

Ele olhou-a, surpreendido com a pergunta. Sempre tinha tido a sensação de que Trudy o tentava seduzir mas nunca mordeu o isco. Alturas houve em que, bêbado em festas, depois de uma discussão feia com a mulher, tinha estado muito perto de pisar o risco. Mas pensar na mulher e no filho sempre o tinham impedido de fazer qualquer coisa de que mais tarde se arrependeria.

“Trudy, nós trabalhamos juntos,” Disse com firmeza. “E eu sou casado.”

Ela aproximou-se ainda mais.

“Eu não estou à procura de um casamento, Luke,” Afirmou, suavemente, debruçada a escassos centímetros de distância.

Agora já estava encostada a ele. Luke sentia o calor que emanava dela e aquele incontrolável desejo quando ela estava perto, a excitação, a energia… a luxúria. Trudy pousou as mãos no peito de Luke e mal as palmas lhe tocaram na camisa, ele soube que tinha que agir rapidamente ou ceder completamente.

Num supremo ato de autodisciplina, Luke recuou e afastou cuidadosamente as mãos de Trudy.

“Peço desculpa, Trudy,” Declarou com voz rouca. “Gosto de ti. Gosto mesmo. Mas isto não é uma boa ideia.”

Ela ia censurá-lo mas antes de conseguir dizer o que quer que fosse, um punho vigoroso bateu na porta de madeira.

“Luke? Estás aí?” Era a voz de Newsam. “Vem cá ver isto. O Swann encontrou uma coisa.”

Olharam um para o outro. Luke a sentir-se culpado apesar de não ter feito nada. Saiu dali antes de algo mais acontecer mas não conseguiu evitar pensar como é que aquela situação afetaria a sua relação de trabalho.

Pior que tudo, não podia deixar de admitir que, no fundo, não se queria ir embora daquela despensa.

*

Swann estava sentado numa mesa enorme com os seus três monitores de vídeo dispostos à sua frente. Swann parecia a Luke, com o seu cabelo escasso e óculos, um físico da NASA no controlo de uma missão. Luke ficou atrás dele com Newsam e Trudy, os três a pairarem sobre os ombros estreitos de Swann.

“Esta é a conta corrente de Ken Bryant,” Informou Swann, a mover o cursor no ecrã central. Luke assimilou os pormenores: depósitos, levantamentos, saldo total, um espaço temporal que ia de 28 de Abril a 27 de Maio.

“Esta ligação é segura?” Interrogou Luke. Olhou em redor da sala e para lá da porta. A sala principal do centro de comando ficava ao fundo do corredor.

“Isto?” Questionou Swann. Encolheu os ombros. “É independente do centro de comando. Estou ligado à nossa própria torre e satélites. Está encriptado pelos nossos. Talvez a CIA ou a NSA pudessem tentar entrar mas porquê? Fazemos todos parte da mesma equipa, certo? Não te preocupes com isso e concentra-te nesta conta bancária. Não reparaste em nada estranho?”

“O saldo ultrapassa os 24,000 dólares,” Constatou Luke.

“Pois,” Disse Swann. “Um porteiro com uma conta bancária razoavelmente recheada. Interessante. Agora recuemos um mês. 28 de Março a 27 de Abril. O saldo sobe aos 37,000 dólares. Há aqui transferências de uma conta anónima de 5,000 dólares, depois 4,000, depois, claro, nem vale a pena pensar no que teria que se reportar às finanças… dá-me 20,000 dólares.”

“Ok,” Disse Luke.

“Recuemos mais um mês. Final de Fevereiro a final de Março. O saldo inicial é de 1,129 dólares. No fim do mês, já é de 9,000 dólares. Recuando mais um mês, fim de Janeiro a fim de Fevereiro, vemos que o saldo nunca atingiu os 2,000 dólares. A partir dali, se recuarmos três anos, constatamos que o saldo raramente subiu para lá dos 1,500 dólares. Aqui temos um tipo que vivia um mês de cada vez e que, de um momento para o outro, começa a receber em Março chorudas transferências.”

 

“De onde vêm?”

Swann sorriu e levantou um dedo. “Agora a parte mais interessante. Vêm de um pequeno banco offshore especializado em contas bancárias anónimas. Chama-se Royal Heritage Bank e tem sede na Grande Caimão.”

“Consegues pirateá-los?” Perguntou Luke. Captou o olhar desaprovador de Trudy.

“Não tenho que o fazer,” Respondeu Swann. “O Royal Heritage é propriedade de um ativo da CIA chamado Grigor Svetlana, um ucraniano que integrou o Exército Vermelho. Teve problemas sérios com os russos há vinte anos atrás depois de armamento soviético ter desaparecido e aparecido mais tarde nos mercados negros da África Ocidental. E não me estou a referir a armas. Estou a falar de misseis antiaéreos, antitanque e misseis de cruzeiro de baixa altitude. Os russos estavam a postos para o eliminar. Sem ninguém para o amparar, virou-se para nós. Tenho um amigo na Langley e as contas do Royal Heritage Bank estão longe de ser anónimas. Na verdade são um livro aberto para as agências de informação americanas. É claro que isto não é algo de que a maioria dos clientes do Royal Heritage tenham conhecimento.”

“Então quer dizer que sabes de quem é a conta de onde partiram as transferências.”

“Sei.”

“Ok, Swann,” Disse Luke. “Compreendo. És muito espero. Agora diz-me onde queres chegar.”

Swann apontou na direção dos monitores. “A conta era do próprio Bryant. A conta que tenho no meu monitor esquerdo. Como podem ver, neste momento tem 209,000 dólares. Ele estava a transferir aos poucos desta conta para a sua conta corrente local, possivelmente para seu uso pessoal. E se recuarmos uns meses, podemos ver que a conta offshore de Bryant foi criada no dia 3 de Março através de uma transferência de 250,000 dólares de uma outra conta do Royal Heritage, a que tenho no meu monitor direito.”

Luke olhou para a conta à direita. Tinha mais quarenta e quatro milhões de dólares.

“Alguém conseguiu uma pechincha ao contratar o Bryant,” disse.

“Exatamente,” Concordou Swann.

“Quem?”

“Este homem.” No monitor surgiu a foto de um cartão de identificação. Um homem de meia-idade com o cabelo negro a começar a embranquecer. “Este é Ali Nassar, cinquenta e sete anos, cidadão iraniano. Nasceu em Teerão numa família influente e rica. Estudou na London School of Economics e depois na Harvard Law School. Regressou a casa e formou-se novamente, desta feita na Universidade de Teerão. Desta forma, está apto para exercer tanto nos Estados Unidos como no Irão. Ao longo de grande parte da carreira esteve envolvido em negociações de comércio internacional. Vive aqui em Nova Iorque e é atualmente um diplomata iraniano nas Nações Unidas. Tem total imunidade diplomática.”

Luke coçou o queixo e sentiu a barba a começar a crescer. Estava a ficar cansado. “Deixa-me ver se entendi. Nassar presumivelmente pagou a Ken Bryant para aceder ao hospital e obter informações sobre medidas de segurança e como as evitar.”

“Presumivelmente, sim.”

“Então, o mais provável é que esteja a liderar uma célula terrorista aqui em Nova Iorque, seja cúmplice no roubo de resíduos perigosos e de pelo menos quatro homicídios, e não pode ser acusado sob a lei americana?”

“Parece ser esse o caso.”

“Ok. Já estás na conta, não é? Vamos ver para onde tem enviado dinheiro.”

“Vai demorar um pouco.”

“Tudo bem. Entretanto, tenho que fazer um recado.”

Luke olhou para o rosto duro de Ed Newsam.

“Ei, Ed? Não queres vir comigo? Talvez valha a pena fazer uma visita ao senhor Ali Nassar.”

Newsam sorriu.

“Parece divertido.”