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Memorias de José Garibaldi, volume II

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Ou o exercito francez teria sido destroçado ou forçado a depôr as armas.

O que ha n'isto de curioso é que durante toda esta marcha, as musicas militares romanas tocaram a Marselhesa combatendo aquelles que animados por este canto tinham vencido a Europa.

É verdade que elles já não cantavam.

Além dos mortos e feridos que nos fizeram, as balas, e projectis causaram n'estes recontros grandes damnos aos nossos monumentos, e não podemos deixar de nos rirmos tristemente quando lemos nos jornaes francezes que o cerco cresceria provavelmente em extensão pelo cuidado que tinham os engenheiros de não offender os monumentos artisticos.

As ballas, e os tiros de canhão batiam, com effeito, e se espalhavam como chuva sobre a cupola de São Pedro e sobre o Vaticano.

Na capella Paulina, enriquecida com pinturas de Miguel Angelo, de Zuccari e de Lourenço Sabati, uma das pinturas foi diagonalmente ferida por um projectil.

Na Sixtina um outro damnificou um caixão pintado por Buonaroti.

Emfim, os francezes perderam n'estes combates, feridos e prisioneiros, trezentos homens. Pela nossa parte tivemos uma centena de homens mortos ou fóra do combate e um prisioneiro.

Este prisioneiro era o nosso capellão Ugo Bassi que n'um dos nossos movimentos de reanimar, tendo encostado aos joelhos a fronte de um moribundo junto ao qual se havia sentado para o consolar, não quiz abandonal-o senão quando elle exhalou o derradeiro suspiro.

Advinha-se facilmente a alegria que se apoderou de Roma em a tarde e noite que se seguia a este primeiro combate. Fosse qual fosse o aspecto que d'ali em diante tomassem as coisas, a historia, pelo menos assim se julgava, não negaria que não só nós tinhamos feito frente um dia inteiro aos primeiros soldados do mundo, mas ainda os haviamos forçado a retirar.

A cidade foi toda illuminada, tomando o aspecto de uma festa nacional; de todos os lados ouviam-se cantos e musicas. Sahindo do quartel general estes cantos e estas musicas atormentavam os corações dos soldados prisioneiros.

O capitão Faby voltando-se para um official romano, era o historiador Vecchi, perguntou-lhe:

– Esta alegria e estes cantos são para nos insultar?

– Não, lhe respondeu Vecchi, não supponhaes tal; o nosso povo é generoso e não insulta a desgraça; mas festeja o seu baptismo de sangue e de fogo. Vencemos hoje os primeiros soldados do mundo; quererieis impedil-o de applaudir a memoria dos mortos e a resurreição da nossa velha Roma?

Então o capitão Faby mostrou-se vivamente tocado por esta resposta, que era feita em excellente francez, e tão tocado que com as lagrimas nos olhos gritou:

– Pois bem, debaixo d'esse principio, viva Roma e viva a Italia!

Nenhum soldado prisioneiro foi enviado ao quartel que lhe havia sido destinado sem que recebesse viveres e que fosse provido de tudo que necessitava.

Quanto aos officiaes que tinham perdido a espada, foi-lhes no mesmo instante entregue uma outra.

No seguinte dia, 1.o de maio, ao raiar d'alva, o infatigavel Garibaldi, havendo recebido do ministro da guerra authorisação para attacar os francezes com a sua legião, quero dizer, com mil e duzentos homens, dividiu-a em duas columnas de que uma parte sahiu pela porta Cavallegieri com Masina, e a outra sob suas ordens, pela porta São-Pancracio. A pouca cavallaria que tinha foi augmentada com um esquadrão de dragões.

O fim de Garibaldi era surprehender os francezes no seu acampamento e dar-lhes batalha, ainda que as suas forças fossem seis vezes menores que as d'elles; além d'isso esperava que ao ruido da fuzilaria e da artilharia, o povo todo correria em seu soccorro.

Mas chegado ao campo soube que os francezes tinham partido durante a noute retirando-se para Castel-di-Guido, e que Masina que tinha seguido caminho mais curto se havia encontrado com a sua rectaguarda e batalhava com ella.

Garibaldi então dobrou a marcha, e alcançou Masina perto da hospedaria de Mallagrota, onde os francezes se reuniam e pareciam apprestar-se para o combate. Tomou logo o flanco do exercito francez, sobre uma elevação, posição vantajosissima; mas no momento em que os nossos hiam carregar, um official destacando-se do exercito pediu para fallar a Garibaldi.

Garibaldi ordenou que lh'o conduzissem.

O parlamentado disse que era enviado pelo general em chefe do exercito francez para tratar dum armisticio e assegurar-se se realmente o povo romano acceitava o governo republicano e queria defender seus direitos.

Como prova das leaes intenções do general, aquelle propunha de nos entregar o padre Ugo Bassi, feito prisioneiro na vespera como já dissemos.

Durante isto chegava-nos a ordem do ministro pedindo a Garibaldi de volver a Roma.

A legião ahi entrou pelas quatro horas da tarde levando comsigo o parlamentario.

O armisticio pedido pelo general Oudinot foi-lhe concedido.

XV
EXPEDIÇÃO CONTRA O EXERCITO NAPOLITANO

Em quanto que se consumavam os successos que acabamos de referir, o exercito napolitano, forte com quasi vinte mil homens, com o rei á sua frente, arrastando atraz de si trinta e seis bocas de fogo, flanqueado por uma cavallaria magnifica, orgulhosa de seus recentes triumphos na Calabria e na Sicilia, avançava para investir a cidade pela margem esquerda do Tibre. Tendo occupado militarmente Velletri, depois Albano e Frascati, protegido á direita pelos Appeninos e á esquerda pelo mar, alongava seus postos avançados a algumas leguas de nossos muros.

Vendo isto, Garibaldi, que o armisticio deixava desoccupado, buscou empregar seus ocios fazendo guerra ao rei de Napoles.

Foi-lhe concedida a permissão.

Na noite de 4 de maio, Garibaldi sahiu com a sua legião, fortalecida com dois mil e quinhentos homens.

Entre estes dois mil e quinhentos homens achavam-se o batalhão de bersaglieri de Manara, restabelecido no pleno dominio de seus direitos (que, todavia, não tinham sido alienados a respeito do rei de Napoles), os douaniers, a legião universitaria, duas companhias da guarda nacional movel e alguns outros corpos de voluntarios.

A reunião tinha sido dada para a praça do Povo. Ás seis horas Garibaldi havia chegado.

Um joven suisso, da Suissa Alemã, que escreveu uma historia do cerco de Roma, Gustavo de Hoffstetter, exprime assim o effeito que lhe produziu a vista de Garibaldi.

«No momento em que soavam seis horas, o general appareceu com seu estado-maior e foi recebido por um trovão de vivas; via-o pela vez primeira; é um homem de mediana estatura, rosto crestado pelo sol, mas com linhas de uma pureza extranha; estava sentado sobre o cavallo, tão tranquillo e firme como se ahi houvera nascido; debaixo do seu chapeu de largas abas, e copa estreita, ornada de uma pluma de avestruz, se espalha uma floresta de cabellos; uma barba ruiva lhe cobre a parte inferior do rosto; sobre sua camisa vermelha traz um puncho americano branco debruado de vermelho como a camisa. Seu estado-maior trazia a blouse vermelha, e mais tarde toda a legião italiana adoptou esta côr.

«Atraz d'elle cavalgava o seu palafreneiro, negro vigoroso que o tinha seguido da America; vinha vestido com um manto preto, e armado de uma lança de lamina vermelha.

«Todos os que tinham vindo com elle da America traziam á cintura pistolas e punhaes de uma bella execução; cada um tinha na mão um chicote de pelle de bufalo.»

Continuemos a descripção: agora é Emilio Dandolo que falla; o pobre mancebo, ferido no cerco de Roma onde foi morto seu irmão, falleceu depois em Milão, com doença de peito, e tambem nos lega uma narração dos acontecimentos em que tomou parte.

«Seguidos de suas ordenanças todos os officiaes vindos da America, debandam, reunem-se, correm em desordem, vão aqui e acolá, activos, vigilantes, infatigaveis; quando a comitiva pára para acampar e descançar, em quanto que os soldados ensarilham armas, é um curioso espectaculo vêl-os saltar abaixo de seus cavallos, e prover cada um de per si, incluindo o general, ás necessidades de seus pobres animaes.

«Acabada a operação, os cavalleiros pensam em si, e se das localidades visinhas não podem obter viveres, tres ou quatro coroneis ou majores montam novamente, e armados de laços, aventuram-se pelos campos sobre a traça dos carneiros e dos bois. Quando teem reunido o que querem, volvem trazendo adiante de si o rebanho; distribuem-no em partes eguaes pelas companhias, e todos, sem distincção, soldados e officiaes, se poem a degolar, esquartejar, e fazer assar, ante enormes fogueiras enormes peças de carneiro, boi ou porco, sem contar as alimarias miudas como galinhas, pombos, patos, etc.

«Durante este tempo, se o perigo vae longe, Garibaldi fica deitado na sua tenda; se ao contrario o inimigo se avisinha, não desce do cavallo, dá as suas ordens e visita os postos avançados; muitas vezes, despe o singular uniforme, veste-se de paisano, e entrega-se ás mais perigosas explorações; a maior parte do tempo, sentado sobre algum elevado cume que domina as immediações, passa horas a sondar o horisonte com seu oculo; quando a trombeta do general dá o signal da partida, os mesmos laços servem para prender os cavallos dispersos na campina; a ordem de marcha é tomada como na vespera e ninguem sabe ou se inquieta sobre para onde se vae.

«A legião pessoal de Garibaldi, é pouco mais ou menos de mil homens; compõe-se do mais desordenado sortimento de homens que se póde imaginar, gente de todas as classes, e edades, rapazes de doze a quatorze annos attrahidos a esta vida de independencia, seja pelo enthusiasmo, seja por uma natural desenvoltura, velhos soldados reunidos pelo nome e pela fama do illustre heroe do novo mundo, e no meio de tudo isto, muitos que não podem lisongear-se de ter senão a metade da divisa de Bayard, sem medo, e que procuram na confusão da guerra o roubo e a impunidade.

 

«Os officiaes são escolhidos entre os mais corajosos, e elevados aos graus superiores, sem que se lhes leve em conta a antiguidade, nem nenhuma das regras ordinarias para os elevar. Hoje vê-se um de sabre ao lado, é capitão; ámanhã, por variedade, tomará um mosquete, e irá collocado nas fileiras tornar-se soldado. A paga não falta: é fornecida por meio do papel dos triumviros, que não custa senão o trabalho de o fazer imprimir: proporcionalmente o numero dos officiaes é maior que o dos soldados.

«O commissario geral, quero dizer, o homem encarregado das bagagens, era capitão; o cosinheiro do general, era tenente; a ordenança tinha o mesmo grau; o estado maior é composto de majores e coroneis.

«De uma simplicidade patriarchal, que é tamanha que se dissera fingida, Garibaldi assemelha-se antes ao chefe de uma tribu indiana que a um general; mas quando o perigo se aproxima ou declara, então é verdadeiramente admiravel de coragem, e de golpe de vista; e o que lhe poderia faltar de sciencia estrategica para ser um general segundo as regras militares, é substituido n'elle por uma actividade inimitavel.»

Bem o vêdes, sobre todos os espiritos; sobre todos os temperamentos, este homem extraordinario faz uma impressão egual.

Voltemos á expedição contra os napolitanos.

A tropa poz-se em marcha ao cahir do dia, pelas oito horas da tarde. Onde se ia? Ninguem o sabia. Apoiou-se sobre a direita até que depois de ter descripto um immenso circulo, encontraram-se na estrada de Palestrina.

A noite era limpida e fresca; marchava-se em silencio, e a passo dobrado. O proprio estado maior provia ao serviço de segurança. Os officiaes acompanhados de alguns homens a cavallo, faziam grandes volteios no terreno; quando o solo estava muito accidentado, a columna parava, e os ajudantes sondando o terreno que se estendia ante elles, volviam a dar novas que faziam retomar a marcha á expedição.

Estas paragens tinham, além da vantagem da segurança, a de fazer descançar as tropas, cuja marcha continuou assim sem muita fadiga até ás oito horas da manhã. A uma legua de Tivoli, parou-se; depois de algum tempo tinha-se deixado o caminho de Prenesta que conduzia ao de Palestrina, e tinha-se dirigido a marcha para Tivoli seguindo uma velha estrada romana.

Por esta marcha nocturna feita com rapidez o general tinha ganho uma triplice vantagem:

1.o Tinha illudido os espiões, que vendo-o sahir da porta do Povo, deveriam julgar que a expedição era dirigida contra os francezes, os quaes, parados em Palo, tinham entabolado uma especie de congresso com o triumvirato.

2.o Garibaldi achava-se, em Tivoli, sobre o flanco direito da linha de operações dos napolitanos que acampavam em Velletri, e que enviavam os seus observadores na direcção de Roma até ás alturas de Tivoli.

3.o A marcha nocturna por um paramo deserto, privado de sombra e de agua, era, graças á fresquidão da noite, um verdadeiro beneficio para as tropas.

Ás cinco horas da tarde, os homens retomaram suas fileiras, e marchou-se para as ruinas da villa Adriana, distante uma legua pouco mais ou menos, do logar onde se tinha feito alto, e que jaz ao pé da montanha em que se eleva o Tivoli.

O general teve logo tenção de ahi acampar, mas mudou de resolução e fez proceder a uma completa exploração dos logares. Não poz tropas em Tivoli, porque só no ultimo caso é que elle queria entrar nas cidades.

No meio das ruinas da villa Adriana, que formam uma fortaleza, a brigada inteira plantou seu campo, homens e cavallos, porque as camaras subterraneas d'este edificio estavam muito bem conservadas para ali se poderem alojar.

Esta cidade foi elevada pelo proprio Adriano; tem duas milhas de extensão, e uma de largura. Uma pequena floresta de larangeiras e figueiras brotam sobre a base do antigo palacio.

A 6 de maio partiu-se ás oito horas da manhã, com os bersaglieri á frente; e para alcançar a grande estrada de Palestrina foi mister passar pela garganta de São-Veterino. Levou-se uma hora a passar este desfiladeiro; ao meio dia acampou-se n'um outro valle onde se encontrou agua fresca e sombra. Não se via uma casa, mas nadava-se em verdura.

Ás cinco horas e meia, retomou-se a marcha e subiu-se a montanha. Os soldados tinham ante si os animaes de carga que levavam as munições de guerra.

Quanto aos soldados, todos levavam seu pão; a falta de carne não os inquietava, encontravam-na em todas as paragens; só os bersaglieri tinham marmitas.

Chegada ao cume da montanha a expedição encontrou uma antiga estrada romana perfeitamente conservada que conduzia á Palestrina, onde chegou á uma hora da manhã.

Foi uma fortuna encontrar esta estrada romana, tão bem conservada, que nem só um dos animaes de conducção deu um passo em falso, nem o vento levantou um só grão de poeira.

Entretanto fizeram-se frequentes altas para dar repouso aos soldados. Tinha-se necessidade, visto a lide que se lhes reservava, de que não chegassem fatigados.

O general enviou patrulhas para todos os lados.

Uma d'estas patrulhas formada por sessenta homens e commandada pelo tenente coronel Bronzelli, o mesmo que dez annos depois foi mortalmente ferido no campo de batalha de Treponti, obteve felizes resultados; atacou uma villa occupada por napolitanos, pôl-os em fuga e fez-lhes alguns prisioneiros.

Dois dos nossos que não quizeram render-se foram mortos e feitos em pedaços.

A 9 teve-se aviso de que um corpo consideravel de napolitanos avançava para Palestrina; e com effeito pelas duas horas da tarde, do alto da montanha de S. Pedro que domina a cidade e que era occupado pela nossa segunda companhia, viu-se avançar em boa ordem, pelas duas estradas que se reunem á porta del Sole, a columna inimiga. Eram dois regimentos de infanteria da guarda real, e um de cavallaria.

Garibaldi enviou diante d'elles em atiradores, duas companhias da sua legião, uma da guarda nacional movel, e a quarta companhia bersaglieri.

Aquella occupava a ala esquerda da longa cadeia de montanhas que vem expirar no valle.

Manara, da plataforma da porta, dominava a cavallo esta scena magnifica, e por intervenção de uma trombeta indicava os movimentos que era mister obrar.

Ter-se-hia julgado isto uma revista, pela tranquillidade com que estas cousas se passavam, e pela maneira com que os movimentos respondiam aos sons da trombeta.

Quando chegámos perto dos napolitanos, um vivo fogo começou, e os outros corpos da expedição, formados em columna, se apresentaram fóra da porta.

O chefe inimigo quiz então estender em atiradores seus primeiros pletões; mas viam-se os soldados horrorisados recusarem affastar-se uns dos outros. Quanto a nós, avançámos sempre proseguindo o fogo. Então a nossa extrema direita, commandada pelo capitão Rozat, torneou um muro que a impedia de avançar e foi correr vivamente a estender-se sobre os flancos do inimigo.

Os napolitanos oscillaram um instante; depois, rompendo suas fileiras repentinamente, tomaram a fuga sem quasi descarregar as espingardas. Então alguns homens do batalhão de Manara penetraram até ao meio de suas fileiras, e sahiram d'ahi conduzindo cinco ou seis prisioneiros.

Da direita, ainda que marchando mais lentamente, as cousas procederam da mesma fórma; a primeira companhia de bersaglieri deixou aproximar os napolitanos a um tiro de pistolla, e com uma carga viva e inesperada, e um choque vigoroso á bayoneta, facilmente os poz em fuga, repellindo-os successivamente de tres casas que occupavam, e sustentando com a maior ordem uma carga de cavallaria que custou a vida a bom numero de cavalleiros napolitanos.

Garibaldi esperava este momento: enviou de reforço um batalhão a Manara, ordenando-lhe que carregasse sobre toda a linha á bayoneta.

Fulminados sobre o flanco pelos lombardos, repellidos em frente pelas legiões e pelos exilados, os reaes tomaram a fuga rapida e completamente deixando no campo tres canhões.

O combate durou tres horas, e foi conduzido a bom fim sem grande perda. Os inimigos oppozeram tão fraca resistencia que nos maravilharam.

Se houvessemos tido cavallaria para a lançar em perseguição dos fugidos, a sua perda teria sido consideravel.

Mas quando Garibaldi viu o inimigo retirar-se precipitadamente e os nossos perseguil-os em desordem, temeu uma emboscada, e fez tocar a retirada.

Tivemos doze mortos e vinte feridos, entre elles o bravo capitão Ferrari, que recebeu uma bayonetada no pé.

A perda dos napolitanos foi de cem homens.

O resultado material, como se vê, era pouca cousa, mas o effeito moral era grande.

Dois mil soldados de Garibaldi tinham posto em completa derrota seis mil napolitanos.

Perto de vinte e quatro pobres diabos prisioneiros, quasi todos da reserva, e por consequencia arrancados a suas familias e obrigados a combater por uma causa que não era a sua, foram trazidos á presença de Garibaldi. Trementes e de mãos juntas pediram-lhe a vida. Eram bellos homens, bem vestidos, mas detestavelmente armados de espingardas de pederneira, com sacos cheios de imagens de santos e santas, de reliquias e de remedios.

Tinham-nas ao pescoço, nas algibeiras, por toda a parte. Disseram que o rei estava em Albano com dois regimentos suissos, tres de cavallaria e quatro baterias; esperavam-se outros reforços de Napoles.

Sob as ordens do general Zuechi tinham elles sido enviados para tomar Palestrina e apoderar-se de Garibaldi, que lhes inspirava um terror que ninguem podia imaginar.

Á noite acampamos fóra de Palestrina.

No dia seguinte avançámos para occupar os postos avançados, duas milhas mais longe; as nossas patrulhas aventuraram-se até ás linhas inimigas, que tinham os piquetes a quatro milhas de distancia.

Para não ficarmos ociosos faziamos manobrar os nossos soldados que desde Solaro não tinham feito exercicio uma só vez. Era um bello e animador espectaculo para a nossa causa republicana, vêr estes homens que a um quarto de legua do inimigo, aprendiam o manejo das armas de que iam servir-se contra elle, e que ao som da trombeta estudavam a escóla de plutão e o fogo de atiradores.

Á tarde voltámos á cidade, mas foi para dar um novo assalto.

A 7 de maio, tinhamos chegado á meia noite debaixo de torrentes de chuva. O batalhão Manara tinha recebido para alojamento um convento de agostinhos; mas os monges não tinham querido abrir; e, fatigados e molhadissimos os republicanos bateram debalde á porta durante uma hora e soffrendo um vento glacial. Enfim, por muito grande que fosse a paciencia dos bersaglieri esgotou-se; fizeram vir os sapadores, e a porta do convento foi arrombada.

Ainda que esta noite os soldados horrivelmente cançados, ficassem furiosos por similhante acolhimento, ainda que o general dissesse claramente, e não deixasse ignorar á sua gente, que fazia tanto a guerra aos monges hostis á republica, como aos napolitanos, as exhortações de Manara e de seus officiaes chegaram a acalmar os soldados e a impedir as desordens que se podiam esperar em tal occasião. Deitamo-nos tranquillamente sobre o chão dos corredores, e procuramos n'um curto repouso força para supportar novas fadigas.

Por felicidade a fadiga que nos deram os napolitanos não foi grande.

Na noite da batalha os bersaglieri reganharam o seu convento, e de novo o encontraram fechado. Foi preciso recorrer novamente aos sapadores para arrombar as portas a golpes de machado.

Os irmãos d'esta vez haviam fugido. Não tinham podido crer que os republicanos fossem tão pouco rancorosos, e temeram que a doçura que tinhamos mostrado não fosse um laço que occultasse alguma sinistra volta.

Tambem, fugindo os irmãos haviam levado comsigo as chaves das cellas. Para obter roupas e objectos necessarios a um acampamento, por muito modesto que elle fosse, foi mister forçar algumas portas. Por felicidade os sapadores não estavam longe. Estas portas arrombadas, foi contagioso o exemplo; em vez de se contentarem, como da primeira vez com o chão dos corredores, os soldados quizeram ter, uns colxões, outros enxergões; os chefes, cançados de moralisar, seguiram o mau exemplo e apoderaram-se das cellas. Em menos de meia hora, foi cheio de alto a baixo; apenas houve tempo de collocar sentinellas á egreja; aos carneiros e á bibliotheca.

De resto, nada havia a tomar; os irmãos não tinham deixado senão grandes moveis, dos quaes nenhum cabia n'um saco; mas bom numero de paisanos que haviam excitado os nossos soldados a esta desordem, aproveitavam a confusão, e, como formigas, se juntavam aos tres e aos quatro afim de levarem os bocados com que um só não podia.

Muitos dos nossos, pouco religiosos, corriam por todo o convento felizes por uma vez se poderem assimilhar-se aos monges. Um sahia de uma cella com um largo chapeu dominicano na cabeça, outro passeava gravemente nos corredores com um grande habito branco sobre o uniforme. Todos appareceram á chamada com uma enorme tocha na mão, e durante a noite de 9 a 10, em honra da nossa victoria sobre os napolitanos, o convento foi explendidamente illuminado.

 

A correspondencia dos pobres irmãos não foi mais respeitada que o resto, e mais de uma carta que se abriu e leu em triumpho teria feito córar até ás orelhas os castos fundadores da ordem.

A 10, parámos em Palestrina e acampamo-nos nos prados. Os napolitanos pareciam ter perdido o gosto de nos atacar, e coroavam as collinas de Albano e de Frascati aproximando-se pouco a pouco de Roma.

Garibaldi, que temia um assalto combinado dos napolitanos e francezes poz-se a mesma tarde em marcha, para voltar sobre Roma; passámos em silencio, e n'uma perfeita ordem, a duas milhas do campo inimigo, por sendas quasi impraticaveis, sem que nenhum accidente perturbasse a tranquillidade de uma marcha magnifica.

Emfim na alvorada de 12 chegámos a Roma tendo feito durante a noite vinte e oito milhas sem pararmos um instante; tinhamos a maior necessidade de repouso; muitos de entre nós julgando partir para uma campanha de algumas horas sómente, não tinham trazido para maior ligeireza, nem marmita, nem saco, nem utensilio algum.

Mas vindo a noite, em logar de descançarmos, fomos obrigados a retomar as nossas espingardas; foi dado alarme na cidade, correndo o ruido de que os francezes atacavam o Monte-Mario; sahimos precipitadamente pela porta Angelica, trocámos alguns tiros com os francezes, e dormimos á borda de um fosso com a mão sobre as armas.

G. Medici.