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CAPÍTULO DEZ

Avery ligou para a emergência no 911 com a arma apontada para George. Pelo walkie-talkie, chamou reforço. Ramirez não conseguia parar de pensar em como ele havia sido tão estúpido, ou em quanto o ferimento estava doendo. A cada pouco, ele balançava a cabeça e resmungava para si mesmo.

- Não é possível que esse cara conseguiu me pegar.

- Ele é rápido - Avery disse. – Você é treinado, George? Exército? Marinha? Foi assim que você conseguiu raptar Cindy?

George estava sentado com as pernas cruzadas, quieto e com a cabeça baixa.

- Como está o ferimento? – Avery perguntou a Ramirez.

- Não sei. Estou respirando bem, então não deve ter acertado o pulmão. Mas dói pra cacete.

Ele parou de falar e a olhou admirado.

- Obrigado, Black. Você me ajudou. Eu te devo uma.

Quando a ambulância chegou, o paramédico cuidou do ferimento e fez algumas perguntas a Ramirez. O diagnóstico inicial indicava que a faca não havia acertado o pulmão. Ramirez seguia o tempo todo balançando a cabeça. “Estúpido,” dizia.

Uma maca havia sido trazida para levá-lo.

- Eu volto - ele disse a Avery. – Não se preocupe, isso não é nada. Só um arranhão. Ei, George - disse virando-se – Você atacou um tira. Pena de seis anos pra isso. E se você matou a garotinha, aí é prisão perpétua.

A segurança de Harvard ficou ao lado de Avery até a polícia chegar para levar George. Ninguém falou nada durante a espera. Avery já havia estado ao lado de outros assassinos, muitos, na verdade, durante seus três anos na polícia. Mas dessa vez era diferente. Jovens com armas e facas como George sempre a faziam pensar. Um estudante universitário. De Harvard. Alguém que aparentemente tem tudo, e mesmo assim, por dentro, estava acabado, destruído.

Assim que a polícia chegou e levou George, Avery ficou sozinha no apartamento. A palavra “por que” seguida em sua mente.

Por que ele fez isso?

Por que? Por que? Por que?

O rosto de Howard Randall continuava a assombrando. O que tem de errado nesse mundo? Ela pensava. Olhe esse lugar. Vista para o céu. Luxo em toda parte. Jovem, boa pinta, em forma, e mesmo assim ele havia acabado de atacar e esfaquear um policial. Outros rostos vieram à mente. Membros de gangues, maridos com raiva, psicopatas bêbados que haviam matado pessoas inocentes e até crianças de seis anos, com armas em volta do pescoço.

Por que?

Era por causa da dor? Da dor de uma vida dura?

Ela lembrou-se de algo: seu pai, cabelos grisalhos despenteados, com alguns dentes faltando e uma arma na mão. Você quer falar sobre dor? Ele gritara. Vou atirar na porra da sua cabeça! Aí você vai saber o que é dor! Não vai?

Avery levantou-se.

Havia sido difícil focar-se no apartamento até que todo mundo saísse. Agora era só ela no lugar, e George Fine tornou-se sua prioridade.

Quem é você? Ela se perguntou.

As paredes eram quase todas lisas, com exceção de uma foto de George, orgulhoso, mostrando uma medalha que havia ganhado em uma corrida. Em sua escrivaninha, Avery encontrou chaves e uma carteira. Pelo menos dez chaves no mesmo chaveiro. O que você precisa saber sobre isso? Ela se perguntou.

Não havia senha no computador. Uma busca nas atividades recentes dele na internet não trouxe nada interessante: muitos vídeos pornôs, conselhos de relacionamento e endereços de academias ao redor do campus. Dois sites de redes sociais estavam abertos. Ele tinha trinta e dois amigos em um deles. Senhor Popular, ela sarcasticamente pensou.

Escondida no guarda-roupa havia uma caixa cheia de fotos: George com um grupo de homens entre árvores vestindo camisetas do exército; George entre seus pais com Harvard ao fundo; e Cindy Jenkins, centenas de fotos de Cindy Jenkins: Cindy no shopping, Cindy em Harvard, Cindy em uma festa. Cada uma das fotos parecia ter sido tirada em segredo, de longe, ou às vezes bem do lado dela, sem que ela soubesse.

- Nossa.

Uma raiva repentina saiu de dentro dela, não por aquela descoberta ou pelo que George poderia ter feito se não tivesse sido procurado, mas por Harvard, pelo reitor, e por tantos segredos que quase tinham matado seu parceiro.

Alguns minutos buscando no telefone e ela discou um número.

- Eu quero falar com o Retor Isley, agora – disse.

- Desculpe - a secretária respondeu – o reitor está em uma reunião.

- Eu não quero saber se ele está na porra da lua! - Avery gritou. – Aqui é Avery Black, Polícia de Boston, Esquadrão de Homicídios. Eu estou no quarto de um de seus alunos. George Fine. Isley conhece George? Ele deveria, porque seu veterano ‘comum’ de Harvard acabou de esfaquear um tira. Coloque ele na linha agora mesmo!

- Aguarde, por favor.

Dois minutos depois, o reitor atendeu.

- Olá, Detetive Black - disse – desculpe pela demora. Eu recebi informações sobre o seu trabalho pela manhã.

- Eu só quero entender uma coisa - Avery disse. – Meu supervisor, Dylan Connelly, telefonou para você ontem à noite pedindo informações sobre George Fine e Winston Graves. Você disse, e quem me contou foi meu parceiro, aquele que foi esfaqueado, que ‘os dois são bons garotos de boas famílias.’ Você quer mudar sua opinião?

O reitor limpou a garganta.

- Não tenho certeza de que entendi a pergunta - ele respondeu.

- Sério? Porque eu acho que estou sendo bem clara. Deixe-me dizer de outro jeito. Nós temos um policial ferido. Nós temos uma garota morta. E agora nós temos um principal suspeito que você disse que não era problemático. Estou lhe dando uma última chance de mudar sua declaração antes de considerar seriamente apresentar queixas. Eu acabei de descobrir que George Fine era um reserva do exército. Essa teria sido uma informação relevante, você não acha? Ele também é um lutador treinado de artes marciais. Relevante, também. Bons garotos de boas famílias não são exatamente assim. O que mais você sabe sobre ele?

- Policial Black, nossa relação com nossos estudantes é—

- Diga-me agora ou eu desligo e você vai ter que se virar.

- Senhora Black, eu não posso simplesmente—

- Cinco, quatro… No um eu desligo.

- Nós temos—

- Você tem uma garota morta e um possível assassino em suas mãos. Três… Dois…

- Tudo bem! – ele gritou, afobado.

Ele abaixou a voz.

- Agora veja só - ele disse – ninguém aqui acredita de verdade que um de nossos alunos poderia ser responsável por—

- Ele esfaqueou um tira. Meu parceiro. Diga-me o que você sabe.

- Ele esteve em observação disciplinar nos dois primeiros anos na universidade - o reitor admitiu. – Ele havia seguido uma jovem daqui de Scarsdale: Tammy Smith. Não… Não houve problemas. Não houve acusações. Não queríamos a imprensa. Ele estava sob ordens severas para ficar a duzentos metros dela e teve reuniões semanais com nossos psicólogos. Parecia-me que as sessões dele estavam indo bem. Ele tem sido um estudante exemplar desde então.

- Algo mais?

- Isso é tudo. Os arquivos estão aqui se você quiser analisar.

- E sobre Winston Graves?

- Graves? – O reitor quase deu risada. – Ele é um dos nossos melhores veteranos, se destaca em todos os sentidos. Eu tenho o maior respeito por ele e sua família.

- Sem segredos? – Avery insistiu.

- Não que eu saiba.

- Então talvez tenha - Avery disse. – Vou investigar eu mesma. E a próxima vez que um policial te ligar pedindo informações, é melhor você ser o mais acessível possível. ‘Policial esfaqueado em dormitório de Harvard’ não deve ser uma manchete muito boa para sua Universidade.

- Espere, eu pensei que nós…

Avery desligou.

A próxima ligação foi para Jones, um jamaicano magro e bem-humorado que reclamava de tudo, mesmo quando estava nos melhores dia de sua vida.

- Jones falando - ele disse.

- É a Black. Como vai a busca das imagens das ruas?

Jones estava fechado em um escritório escuro rodeado por dois técnicos de azul. Ele se inclinou sob seu teclado e levantou os olhos como se estive prestes a pular de uma sacada.

- Você está louca, Black - ele reclamou. – Você sabe disso, né? Quanto tempo mais eu vou ter que fazer essa loucura? Isso parece um jogo de adivinhação. Eu tenho que chutar onde ele pode ter ido, depois acessar as câmeras e procurar o tempo certo e ver o que acontece. Horas e horas olhando para nada. Só tive sorte uma vez.

- Você teve sorte?

- Sim - ele respondeu olhando para a tela. – Eu estou no controle de tráfego agora mesmo com Stan e sua namoradinha, o Frank. Esses caras são ótimos. Eles estão me ajudando o dia todo. Então, o que eu estou fazendo é o seguinte. Eu acessei as câmeras das ruas iluminadas de Auburn, na Hawthorn. Sabe o que eu achei? Sua minivan. Ele foi pela Auburn. Eu procurei pela Auburn mais a oeste, depois da Aberdeen, e eu vi a minivan de novo. Ele foi sentido oeste.

- Onde ele foi depois?

- Você está falando sério? – Jones reclamou. – Você acha que eu sou o que? Não sou um sistema de satélites! Eu levei cinco horas pra descobrir isso!

- Continue nisso - Avery disse e desligou.

A minivan havia ido para o oeste, ela pensou. Fora da cidade. Se George fosse o assassino, ele definitivamente tinha uma casa em algum lugar.

A próxima ligação foi para Thompson, parceiro de longa data de Jones, um homem grande e bruto, que parecia quase um albino pela cor da pele, cabelos loiros, lábios grossos e características faciais de uma mulher. Thompson estava em um escritório com um monte de oficiais do estado, comendo donuts e contando a eles uma história sobre quando ele pegou Jones dormindo e pintou uma cara de coelho nele.

- Thompson - ele atendeu falando alto.

- É a Black. Quais as novidades?

- A minivan foi para o norte, pela Charles Street. É o que eu consegui. Não tinha certeza se deveria checar as pontes ou não.

- Há um assassino à solta! - Avery gritou. – Você tem que checar tudo! Seu parceiro Jones está bem na sua frente. Onde ele foi depois da Charles Street?

- Deixe-me descobrir - ele disse.

- Não - ela respondeu. – Você está fora das buscas por hoje. Preciso que você faça algo mais importante: George Fine. Aluno de Harvard. Eu estou aqui agora. Ramirez levou uma facada. Ele está no hospital. Eu preciso de tudo o que você encontrar sobre George Fine. Fale com os pais dele se você precisar. Ele está sob custódia da polícia. Ele tem uma casa em algum lugar, talvez a norte de Harvard? As chaves estão aqui na escrivaninha. Algum registro médico? Fale com os amigos dele, família, todo mundo que você puder, entendeu? O computador dele não tem senha então você pode pesquisar isso também. Você está nessa até o fim do dia.

- Estarei aí em um minuto.

- Não. Você vai estar aqui AGORA! – Ela gritou e desligou.

Norte, Avery pensou. Ele foi para o norte do Lederman Park. Talvez pela ponte e depois para Harvard? Então por que você iria para o oeste depois de raptar Cindy no beco?

Fale comigo, Fine, ela pensou, e olhou ao redor do apartamento. Fale comigo.

* * *

Uma hora depois, Avery estava no hospital.

A faca havia perfurado o pulmão de Ramirez apenas levemente. Com sorte, não acertou nenhum outro órgão importante, mas os médicos precisavam dar pontos no ferimento interno.

Ela foi até a sala de espera.

Três policiais à paisana já estavam lá. Um deles tinha cara de sapo: era gordo, mas forte, com cabelo cortado e olhos pequenos.

Ótimo, Avery pensou. Finley.

Finley Stalls era um dos mais fanfarrões do departamento, um irlandês totalmente infeliz que bebia toda noite e andava pelo escritório de mau humor todo dia. Ele tinha um senso de humor cínico, e mesmo que não fosse nunca o primeiro a mexer com Avery, ele sempre era o último a parar de rir.

Todos os três policiais fizeram a mesma cara, sem expressar nenhum sentimento, que ela já estava acostumada a ver no departamento. Ela estava prestes a cumprimentar e tentar ignorar o comportamento típico deles quando Finley olhou na direção dela e falou com seu sotaque rápido, praticamente irreconhecível, típico de Boston.

- Bom trabalho - disse.

Ela não sabia se ele estava brincando ou não.

O segundo oficial entrou na conversa.

- Você está tentando bater o recorde de mais parceiros mortos, Black?

Ah, estão ironizando, ela pensou.

- Calma aí - o terceiro policial zombou. – Deem um tempo pra ela. Não é culpa dela. Ramirez sempre é uma mãe para os suspeitos. Sempre age como se a mão de Deus não fosse deixar ele se machucar ou algo assim. Idiota da porra. Ela chegou inteira, não chegou?

- Vocês pegaram o assassino? – O segundo policial perguntou.

- Vamos ver - Avery respondeu.

Ela esperou a próxima piada, o próximo insulto, mas nada aconteceu. Os policiais simplesmente se calaram, e pela primeira vez em muito tempo, Avery pode relaxar mentalmente em meio a muitos policiais e tentar focar-se.

Ela ligou para os peritos.

- Randy, alguma novidade?

Randy estava sentada em um laboratório branco no porão do departamento. Um microscópio estava em sua mesa e ela espiava nele enquanto falava.

- Que bom que você ligou - disse. – Lembra daquelas drogas naturais que nós falamos, as plantas que ele poderia ter usado para paralisar e depois matar a vítima? Eu recebi uma confirmação disso. As toxinas no corpo dela apontam para mais ou menos sessenta por cento de ópio. Puro. Tem que ser de uma planta própria. Você sabe de algo sobre isso?

- Eu falei com um fornecedor de remédios que conheço - Avery disse. – Perguntei quem seria estúpido o suficiente para vender apenas as sementes de papoula e ver as próprias vendas de heroína caindo depois. Estou esperando resposta. Eu esperava que você tivesse outras informações. Não tenho nada sobre luzes de LED e fontes de jardinagem. Dá pra comprar isso em qualquer lugar.

- Estou olhando agora mesmo as fibras tiradas do corpo da garota - disse Randy. – Uma delas é de gato, com certeza. Talvez de gato malhado. Nosso assassino gosta de animais. Ele não coleciona apenas por colecionar. Há manchas de sujeira também. Típico de um jardim variado. Eu diria que estamos procurando por um cara ‘green’, alguém que tem plantas, animais e um grande jardim interno.

Avery não conseguia ligar os pontos.

George Fine não tinha plantas nem gatos.

Talvez estivessem em outro lugar, ela pensou. Mas não haveria alguma evidência no dormitório? Livros sobre botânica, sobre drogas?

- Tudo bem - Avery disse. Ligue-me se você encontrar mais alguma coisa.

* * *

Mais tarde, naquele dia, Avery bateu à porta do quarto de Ramirez e entrou.

Ramirez a cumprimentou levantando o braço e sorrindo.

- Olha quem chegou - disse. – Minha salvadora!

- Não mesmo - Avery respondeu. – O que eu fiz?

- Você se manteve tranquila - Ramirez pontuou, - e agiu como uma tira de verdade deve agir com um suspeito, não como um calouro de merda como eu fiz. Mas está tudo bem - ele franziu as sobrancelhas – Eu vou sair daqui logo. O médico disse que eu já posso sair amanhã. Volto para o trabalho na sexta.

- Não foi o que me disseram - Avery respondeu. – O médico disse que você precisa de pelo menos duas semanas para se curar. Ele quer que você faça repouso.

- Que? – Ramirez reclamou. – Não fale conte isso para o capitão. Não me faça ir pra casa ficar sentado com a bunda no sofá. Você não sabe como é minha vida em casa.

- Como é sua vida em casa? - ela imaginou.

Ramirez era um enigma para ela: boa aparência, boa forma, se vestia perfeitamente, parecia não se chatear com nada. O ataque de George havia mostrado outro lado: um pouco desatento, nervoso, e sem um treinamento defensivo de verdade para lidar com a velocidade e surpresa de George. Primeiro, ele havia lembrado Avery de todos os homens com quem ela tinha saído uma vez ou outra alguns anos atrás. Eles, assim como Ramirez, também eram quietos por fora, mas quando começavam a se mostrar por dentro, era uma confusão só. Ela esperava que esse não fosse o caso do seu novo parceiro.

- Ah, cara, é sério que você quer que eu revele esse mistério? – Ele disse. – Ok, porque não. Estou numa cama de hospital. Eu sei que eu me faço como Super Homen, mas de verdade? Eu sou só um cara normal por dentro, Black. Eu amo o trabalho, mas não gosto de suar, então raramente eu vou à academia e eu não sou nem de perto o cara mais mortal da polícia. Sabe esse meu físico incrível? Genética. Eu nasci assim.

- Mais alguém em casa?

- Eu tive uma namorada. Seis anos. Ela me deixou faz um tempinho. Disse que eu tinha problemas em me comprometer. Sério, Black. Vamos ser honestos. Por que um homem como eu iria se comprometer com uma mulher, sendo que há milhões lá fora?

Por muitas razões, Avery pensou.

Ela lembrou de Jack, seu ex-marido. Mesmo que eles não se falassem já havia muito tempo, a vontade de casar com ele tinha sido enorme quando ela era mais nova. Ele oferecia estabilidade, gentileza, amor e apoio. Mesmo quando Avery foi se afastando, ele estava sempre lá, esperando ansioso para lhe dar um abraço.

- Eu acho que as pessoas se comprometem porque querem se sentir seguras - ela disse.

- Isso não é motivo para se comprometer - ele respondeu. – O motivo tem que ser o amor.

Avery nunca havia entendido o conceito de amor até o nascimento de sua filha Rose. Quando era uma jovem universitária, ela pensava que amava Jack. Os sentimentos estavam ali e ela sentia falta dele quando ele não estava por perto, mas se ela estivesse realmente apaixonada, ela teria lhe dado o devido valor.

Ela deu à luz a Rose quando havia acabado de completar seus 20 anos. Jack queria começar uma família cedo, mas quando Rose nasceu, Avery sentiu-se presa, sem tempo para ficar sozinha com Jack, sem tempo para si mesma, sem vida, carreira. Foi tudo uma confusão. Ela própria estava confusa, e isso veio à tona com o fim do casamento e o fim dela como mãe. Mesmo que ela e Rose ainda estivessem distantes, ela sabia disso agora.

- O que você sabe sobre o amor? – Ela perguntou.

- Eu sei que eu devo fazer minha mulher se sentir bem. – Ele sorriu com um olhar acanhado e sedutor.

- Isso não é amor - Avery respondeu. – Amor é quando você está disposto a desistir de algo que você se importa por outra pessoa. É quando você se importa mais com a pessoa do que com seus próprios desejos, e você age assim. Isso é amor. Não tem nada a ver com sexo.

Ramirez levantou as sobrancelhas, demonstrando respeito.

- Uou! Isso foi profundo, Black.

As memórias eram doloridas para Avery. Mesmo assim, ela tentou voltar a focar no trabalho: um assassino à solta e um suspeito sob custódia.

- Eu tenho que ir - ela disse. – Só queria ter certeza de que você vai ficar bem. Tudo que eu não preciso é de mais um parceiro morto.

- Vai, vai - Ramirez disse. – Onde está nosso membro da marinha?

- Sob custódia. E você nem errou por muito. Ele é reserva do exército. Muito bom com as mãos. Eu já esculachei o reitor por omitir informação sobre uma possível arma letal. Thompson está no dormitório agora.

- Você acha que ele é o assassino?

- Não tenho certeza.

- Por que?

Peças, ela pensou. As peças do quebra-cabeça não se encaixam.

- Pode ser que ele seja - ela disse. – Vamos ver o que acontece.

CAPÍTULO ONZE

Uma hora depois, Avery estava em uma pequena sala escura com O’Malley e Connelly. À frente deles, atrás de um vidro, George Fine estava sentado. Suas mãos estavam algemadas à uma mesa de metal e ele tinha curativos nos ombros e nas pernas, nos ferimentos ocasionados pelos tiros. Avery se deu conta da sorte que ele teve por ela ter atirado apenas de raspão. Esse havia sido o objetivo.

De vez em quando, ele murmurava algo para si mesmo. Seus olhos vazios miravam o nada, mas ele parecia estar pensando profundamente.

Eu suas mãos, Avery segurava uma imagem que mostrava seis diferentes interpretações em preto e branco do rosto de um homem, baseado nos vídeos de segurança que mostravam o assassino. Cada imagem mostrava um homem caucasiano de queixo estreito, com a maçã do rosto alta, olhos pequenos e testa alta. Em três fotos a peruca, os óculos e o bigode haviam sido removidos, e a artista havia dado ao assassino vários tipos de cabelo e barba. As últimas três imagens mantinham pelo menos um dos aspectos, caso aquilo não fosse um disfarce.

Avery levou um tempo olhando para cada foto.

O rosto que ela havia visto nas câmeras estava em sua mente, e agora, com muitos retratos claros, ela poderia fazer outras deduções: um queixo mais largo, maçãs do rosto mais baixas, uma cabeça careca, olhos maiores, óculos e muitas cores para os olhos.

De vez em quando, ela olhava para Fine. Havia similaridades: Caucasiano, bochecha alta, ele parecia ser mais magro, mas os dois eram leves. Os movimentos virtuosos que ela havia visto na câmera lembravam muito os que ela viu quando George pegou Ramirez. Ainda assim, ela não tinha certeza. Havia plantas e animais. Além disso, o assassino na câmera era demoníaco, com um humor vivo que não havia em George. George Fine teria se curvado para a câmera?

Como se pudesse ler as dúvidas em sua mente, Connelly apontou para a janela e disse:

- Ele é o assassino. Tenho certeza. Olhe para ele. Não disse nem duas palavras desde que chegou. Você acredita que ele quer um advogado? Não mesmo. Ele não tem nada para se defender. Nós precisamos de uma confissão.

O’Malley vestia um terno preto e gravata vermelha. Ele franziu as sobrancelhas e disse:

- Eu devo concordar com Connelly nisso. Você disse que encontrou fotos da Jenkins no quarto. Ele atacou e quase matou um policial. As características batem. Os retratos são parecidos. Por que a hesitação?

- Nem tudo se encaixa - ela disse. – Para onde ele levou Cindy depois do rapto? Como ele aprendeu a embalsamar? Randy Johnson disse que aqueles pelos no vestido da Jenkins eram de um gato. Fine não tem um gato. O que ele tem é um monte de buscas por pornô e dicas de relacionamento na internet. Isso se parece com um assassino?

- Escute, Black, isso aqui é um cumprimento de protocolo - Connelly disse, decidido. – Até onde eu sei, o caso acabou. Nós pegamos ele. O cara deve ter uma casa segura em algum lugar. É lá que nós vamos encontrar o gato, a minivan e a arma do crime. Seu trabalho é encontrar essa casa. Sério, por que você sempre tem que agir como se você fosse melhor do que todo mundo?

- Eu só quero fazer a coisa certa.

- É mesmo? Não foi sempre assim, foi?

Uma raiva enorme pulsava de Connelly. Bochechas vermelhas, olhos vermelhos e irritados como se ele tivesse bebido a noite inteira. Seu corpo parecia querer sair da camiseta, como sempre, e ele parecia pronto para dar um soco na cara de alguém.

Ela se virou para O’Malley.

- Deixe-me falar com ele.

- Ele é o seu criminoso - O’Malley disse. – Você pode fazer o que quiser. Mas nós achamos que ele é o assassino. Tem muita gente de olho na gente nesse caso. A não ser que você possa provar algo novo, e rápido, vamos acabar logo com isso, ok?

Ela fez um sinal de positivo.

- Perfeito, capitão.

A porta para a sala de interrogatórios fez um barulho e Avery a empurrou. Tudo era cinza, incluindo a mesa onde Fine estava sentado, o espelho e as paredes.

George respirou frustrado e abaixou a cabeça. Ele estava com a mesma regata e as mesmas calças.

- Você lembra de mim? – Avery perguntou.

- Sim - ele disse – você é a filha da puta que apontou uma arma para minha cabeça.

- Você tentou matar meu parceiro.

- Autodefesa - ele respondeu. – Vocês invadiram meu quarto. Todo mundo sabe que a polícia de Boston tem dedos nervosos no gatilho. Eu só estava me defendendo.

- Você o esfaqueou.

- Fale com meu advogado.

Avery sentou-se.

- Deixe-me ver se eu entendi - ela disse. – Você é um veterano de economia. Estudante normal. Reserva do exército. Sem antecedentes criminais, bem, pelo menos até hoje. Pelo que se sabe, um aluno quieto e inofensivo. Apenas poucos amigos - ela continuou. – Mas eu acho que é isso o que você tem quando não está festando na universidade: pais bem de vida. Um advogado. Uma médica. Não tem irmãos, mas, - ela enfatizou – um histórico de amores complicados. Sim, - ela quase pediu desculpas, - Eu falei com o reitor e fiquei sabendo de tudo sobre seu amor por Tammy Smith, a garota que você perseguiu de Scarsdale. Por causa dela você foi para Harvard, ou isso é coincidência?

- Eu não matei ninguém - ele disse, e a olhou nos olhos com um olhar determinado e implacável, como se estivesse a desafiando a dizer o contrário.

Nada naquele interrogatório parecia fazer sentido para Avery.

Seu instinto a disse que ela havia feito a avaliação correta: ele era instável e sozinho, um adolescente à beira do abismo antes que a garota dos seus sonhos fosse de repente assassinada, e então ele explodiu. Mas um assassino meticuloso que drenava corpos e colocava-os e poses angelicais e de alguém vivo? Ela duvidava disso. Não havia nenhuma prova concreta.

- Você gosta de filmes? – Ela perguntou.

Ele franziu a testa, sem saber o porquê da pergunta.

- Você pode me dizer o que está sendo exibido agora no Omni? – Ela continuou. – O cinema ao lado do Lederman Park?

Uma expressão vazia a olhava.

- Há três filmes sendo exibidos lá - ela mesma respondeu. – Dois deles são ficções de verão em 3D. Eu não ligo para esses - ela disse, mexendo o pulso. – O terceiro se chamada L’Amour Mes Amis, um filme francês sobre três mulheres que se apaixonam uma pela outra. Você já assistiu esse filme?

- Nunca ouvi falar.

- Você gosta de filmes estrangeiros?

- Fale com meu advogado.

- Tudo bem, tudo bem - ela disse. – Vamos fazer assim. Só mais uma pergunta. Você me dá uma resposta honesta e eu saio daqui e falo com seu advogado. Pode ser?

Ele não disse nada.

- Sem amarras - ela continuou. – Estou falando sério.

Avery levou um instante para formular seus pensamentos.

- Você poderia ser meu assassino - disse. – Você poderia mesmo. Nós temos muita coisa pra procurar, mas algumas peças encaixam. Por que mais você atacaria um policial? Por que seu quarto é tão limpo? Isso me faz pensar que você tem outra casa em algum lugar. Você tem?

Um olhar impossível de ler a mirava.

- Aqui está meu problema - Avery disse. Você também pode ser um garoto estúpido destruído pela morte do seu amor. Talvez você estava furioso e acabado, e obviamente um pouco instável, porque você atacou um policial. Mas, - ela enfatizou e apontou para o vidro, - meu supervisor e meu capitão pensam que você é o culpado pelo assassinato. Eles querem te culpar. Eu vou te dar uma chance. Responda uma pergunta para mim e eu vou repensar minha posição e lhe dar o que você quer. Ok?

Ela o olhou profundamente.

- Por que você atacou meu parceiro?

Um complexo misto de emoções invadiu George Fine. Ele franziu a testa e ficou sem palavras, depois olhou para Avery.

Uma parte dele parecia estar calculando uma resposta, imaginando o que aquela isso significaria em um tribunal. Finalmente, ele decidiu algo. Moveu-se para mais perto, e mesmo tentando parecer duro, seus olhos estavam vidrados.

- Você se acha tão importante. Bem, eu sou importante também - ele disse. – Meus sentimentos importam. Você não pode simplesmente dizer que nós somos amigos e depois me ignorar. É confuso. Eu também sou importante. E quando você me beija, significa que você é minha. Você entende?

Seu rosto inclinou e lágrimas caíram sobre seu rosto. Ele gritou:

- Significa que você é minha!